segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

27 de Dezembro: impressões de La Paz

Nosso hotel fica em frente a uma Igreja. Hoje, aproximandamente às dez da manhã, vi ocuparem suas escadas algumas dezenas de pessoas sob densos trajes pretos, alguém fugiu do sistema. A cidade continua a pulsar freneticamente: uma garota anda de patins, muitas pessoas correm de um lado para o outro, uma velha a pedir esmolas. Ao lado da Igreja um imenso outdoor com uma mulher loira segurando um shampoo. Engraçado isso, aqui em La Paz quando se encontra alguém com traços arianos já se sabe logo que é turista. Os pobres aqui tem feições indíginas e trajes típicos: párias que a cidade busca varrer para o tapete, ignora, desvia, afoga no concreto. Lembrei que no Brasil nossos pobres também tem feições típicas: negras, com a diferença de que andam de bermuda e descalços, não sob os pesados mantos coloridos que amenizam o frio boliviano.

Não há lixo no chão do centro da cidade, os prédios são altos e bonitos como numa máscara. Do alto de nosso apartamento é possível ver  o El Alto, a parte da cidade que acomete os morros num rompante de casas somente no tijolo erguidas desenfradamente umas acima das outras. Hoje saí na minha caça por livros e descobri que é bem difícil encontrar as livrarias abertas aqui, os estabelecimentos abrem e fecham na hora em que bem entendem, mas, nos poucos onde entrei, pude perceber a predominância larga de livros socialistas. Hoje a tarde meus companheiros de viajem pararam para descansar nesse hotel tão confortável, foi um dia de contemplações.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Sobre o que nos une

Há algo que liga a todos nós. Une os mineiros do El Alto boliviano aos engenheiros holandeses. Essa coisa atravessa os predios de São Paulo, as plantações em solo chinês, o batuque de uma tribo no Xingu, o terreiro de candomblé. A plenitude sufoca qualquer grito, valoriza a pequenez de uma formiga, nos despedaça em fragmentos de tudo aquilo que nos escapa, sinto-a presente na minha água, no manto do velho a pedir esmolas, nos olhos que leêm cansados estas letras. Esse vazio - pois é vazio o que é tudo -  está nas letras: está na falta delas.

Corram todos para suas casas, suas ocas, cavernas, se escondam no suor da chuva: só a morte nos impede de estarmos.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Seu presente um pouco atrasado

Quando minha mae me engendrou já vi logo que era o amor quem regia o mundo. O respirar dela era em si algo que me agradava. Mamae brigava quando eu vinha com o pé sujo da rua e eu achava graca de nao poder tira-lo para entrar em casa. Hoje sujo os pés pelo mundo só pra ver ela zangada me querendo limpo e em casa. Podem tentar Mandelas ou Dalai Lamas: so mamae sabe ser paz. Uma paz que enfrenta erguida o mundo, seus tapas e miudezas. Ah mulher, nada sabem os fisicos ou astronomos: é voce quem sustenta o existir. Daqui onde estou ainda te sinto respirar...

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

24 de Dezembro: Feliz Natal

A cada dia histórias completamente diferentes. Hoje, ainda de manha, estávamos a ver o azul marcante do Titicaca e o desenho que o barco deixava na superfície lisa da água. Apesar do sol, o frio nos abrigava sob os casacos. Havíamos dormido na casa de uma família em uma ilha deste que é o mais alto lago navegável do mundo. Tudo aqui é muito diferente. Diferente do que fizemos no Brasil, o povo é predominantemente - para nao dizer completamente - indígena. A terra é dividida por todos e nos únicos lugares que passamos e percebíamos grandes extensoes cultivadas a organizacao se dava por cooperativas. Há uma recompensa: nao tivemos imprevistos com ladroes e, na ilha que dormimos, nao havia policiais nem prefeitos - a comunidade se reúne todos os domingos para discutir as tarefas. Machu Picchu é algo inacreditável de modo que nem me atreverei a descrever a milésima parte de tudo aquilo, tentarei expressar pelas imagens que postarei depois

Quanto ao lado turista, somos a grande festa. Todos adoram os brasileiros e confesso que damos bastantes motivos para reforcar os esteriótipos. Cantamos, conversamos com todos e rimos a todo tempo: excecao até entre os próprios peruanos, um pouco mais fechados que nós aí da terrinha. Hoje mesmo todos bateram palmas e cantaram enquanto eu tocava gaita no barco que nos trazia de volta a Puno - a cidade peruana na beira do Titicaca, onde passaremos o natal. Afinal o natal! Enquanto atravessávamos o lago e eu via a beleza imensurável da paisagem, lembrei de todos que estao aí do outro lado do imenso lago de terra que nos separa. Amamos voces, e sim, há saudade. Feliz natal a todos e um abraco imenso.

PS: O teclado espanhol nos impoe limitacoes na acentuacao e grafia. aheuaheauhueau, todos estamos muito bem e contentes.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

19 de Dezembro: aproveitando as 24 horas.

Pegamos nosso primeiro avião aproximadamente à meia noite do dia 19. Passamos o dia inteiro em conexões sem fim de modo que pouco ou quase nada foi possível dormir nos duros bancos dos aeroportos ou nas apertadas poltronas dos aviões. Chegamos enfim a Cuzco, almoçamos e fomos ao albergue. A cidade é bastante pequena e habitada por um povo humilde que vive praticamente às custas do intenso turismo da região. A cidade, à parte o centro, é marcada pela cor cinza de prédios ainda no reboco, encontram-se casas cuja a simplicidade nos faz duvidar de haver ali habitantes.

O Albergue é uma realidade completamente diferente da vivida pela cidade: seus hóspedes são australianos, americanos, ingleses...Em duas horas que passamos aqui, eu e Thiago estávamos a tocar violão e cantar com dois ingleses, e uma colombiana. No jantar conhecemos os brasileiros: figuras absolutamente maravilhosas. Mineiro, carioca, dois paraibanos e um amazonense. Juntos à colombiana que virou nossa grande amiga passamos a noite inteira nos pubs de Cuzco cantando todos os sambas e onde íamos juntávamos muitas pessoas a dançar e contar histórias. Voltamos à 1 hora da manhã em horário local, que é três horas atrasado em relação ao de Brasília. Agora são quase oito da manhã aqui e já estou de pé, esperando meu café da manhã e pensando num presente pro Ivens, que faz aniversário hoje.

sábado, 18 de dezembro de 2010

18 de Dezembro: Malas Prontas.

Olhando do mapa o roteiro é simples: Peru, Bolívia, Argentina, Uruguai. Dias, teremos 23. A verdade é que a pequenez do mundo mapa nenhum consegue captar. A irrelevância de uma esquina deserta nas ruas de Cuzco, a infimidade de um barco flutuando sobre o Titicaca: enfim, a estreiteza de sermos.

Nos aguarde mundo, você que nos olha de todos os lados: em 6 bilhões de faces distintias, em infinitos detalhes, no tudo que de tão pequeno esconde o segredo de estarmos. Quero abraçar um pedacinho maior de ti...

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Para a vida

Esquecendo um pouco a tendenciosidade da matéria, histórias lindas que valem à pena serem registradas:
quinze minutos necessários e, se possível, vejam este vídeo até o fim.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Amantes

Imensurável mundo
A sufocar sonhos sementes
Apaixonada vida
A transmutar-te ser presente
Desesperado medo
Do que em mim se faz distante
Inevitáveis nós:
A contemplarmo-nos amantes

terça-feira, 30 de novembro de 2010

...

Guerreiro, lutou um dia inteiro com o caminhão de lixo
Mais tarde, resistiu bravamente ao calor da cachaça
Humilde, não via por que espantar os mosquitos
Carente, se abraçava sorrindo aos cachorros na praça

Valente, caminhou perdido entre os becos escuros
Certeiro, encontrou ainda acesa a janela do lar
Liberto, resistiu à mulher que tentou lhe prender
Sensato, aceitou o chuveiro sempre pronto a salvar

Calado, escorou-se na mesa vazia de amor
Esperto, acendeu um cigarro a livrar-se do frio
Cansado, atirou-se na cama reduto do ser
Poeta, pensou que viver é abraçar o vazio...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

José

José tinha braços, pernas, olhos, boca e nariz: quase era. Comia, bebia, devolvia transformados os alimentos ao meio. Mas deve ser o viver algo danado de chato, já que deu de ver-se o rapaz muito jogado no mundo. Quis saber que fazia ele ali, e quis saber das pessoas todas, os namorados na praça, os operários na obra, os traficantes na esquina. Percebeu que existir era uma coisa que ocupava plenamente o tempo das pessoas e que cada um dava seu jeito de suportar tanto trabalho sem férias: a vida era mesmo um sistema bem diferente. O tempo ali, correndo, vivendo mesmo pra avacalhar com tudo que um dia acaba; e o mundo - eita coisa bonita - tão grande, em tanta coisa, que era sempre um mistério. José ficou impressionado com a vastidão do que era escolher e com os caminhos tantos das pessoas: existir é algo sem jeito, mas viver é só pra quem quer. Remoía sempre esse pensamento de que repousava em pessoas o decidir.


Fazia muito sol no dia em que José viu matarem um homem. Ao defunto, antes dançarino de forró, namoradeiro e amante de boa cachaça, só restou o livre-arbítrio de uma pedra. Achou isso uma injustiça muito absurda: a gente escolhe de tudo, mas não escolhe o pra sempre? Quis gritar por socorro, mas gritar pra quem? As pessoas da rua não caminhavam só pela calçada: eram passantes também na vida. Então ele inventou um negócio de deus que era uma instância superior e muito pra frente do homem. Esse deus sabia tudo do mundo porque o criou - e fabricou a humanidade também -, conhecia o eterno e era bom. E quando deu em José a sensação de dever cumprido foi um tal de gente morrendo - morria de fome, de sede e até de outras gentes - e o deus sempre de braços cruzados.

Ah José, pequeno diante de deus, perdido no escuro do mundo: agora sim, humano.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Caso

Fosse o amor uma doença, estaria eu gravemente apaixonado. Médicos realizariam seminários para avaliar caso tão raro e atestariam enfim o triste destino a repousar em mim. Caso fosse uma construção social, seria eu um tipo ideal weberiano, ou o paradigma do amar. Fosse uma canção e afirmariam os críticos tratar-se de uma transposição sublime do sentimento à linguagem.

Mas fosse ele um simples sonhar, aquela saudade que aguarda ansiosa o regresso da viagem, um carinho sem-fim que só pode ser dito num beijo...talvez você me entendesse melhor.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

E chega a hora da noite em que sobram os livros e eu: a vida a silenciar seu porquê.

sábado, 30 de outubro de 2010

Eleições

As crianças correndo pelas mesas do bar, atrapalhando o caminhar solícito dos garçons. Uma tropeça na cadeira de um senhor calvo, mas rapidamente se levanta a buscar seu colega munido de dois canudos que usa como a mais poderosa das espadas. Assuntos: os mais variados. Um casal se distrai em banalidades, ele, imaginando-a sem roupa depois da quinta cerveja, ela a contemplar o companheiro que desconhece o amante. E o mundo mais leve nos copos de chopp. Um mendigo pede, pleno em pesar, esmola em nome da mulher e filhos doentes.

Ao fundo, a televisão. No meu governo, investiremos 20 bilhões em saneamento básico, na revitalização das favelas, chega de deixar o pobre alheio a seus direitos de cidadão. Uma mulher ri alto da piada de preto. A senhora promete mais saneamento básico, mas por que em oito anos de governo nada disso foi feito? Comigo será diferente. Um jovem rapaz caminha entre as mesas oferecendo dvd's piratas. No mandato do seu partido, cortaram a verba de defesa à fronteira. Um homem pede três dvd's, outro rapaz caminha esguio a vender amendoins. Dois homens de terno deixam esvair-se no copo a densa rotina do trabalho...

e a Política a nos preencher.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A cientista

Ela me disse que nem se eu quisesse muito poderia dar-lhe a Lua. Disse que a Lua era um astro bem maior que a minha rua e que girava em torno da Terra por uma força maior que a de todos os homens. De tudo que ela disse só aproveitei a palavra astro, que achei danada de bonita. Depois ela falou que eu não podia lhe dar meu coração! No mundo dela, coração é uma coisa que bombeia sangue e isto faz o corpo da gente funcionar. Disso aí achei tudo muito poético e pensei mesmo que devia dar o sangue, pro coração ainda bater, seco, por ela. Daí, a mocinha desandou a falar de pensamentos atravessados:

Disse que o amor é uma construção social, que nem era o coração quem amava, mas ligações nervosas do cérebro e que aprendeu tudo isso com a ciência e a filosofia. E eu pensei que essas coisas não ensinam mesmo é nada: elas nem sabem amar

sábado, 16 de outubro de 2010

(Re)começo

A nos observar: o mundo
Pulsando inteiro em existir somente.
O Sol que nasce atrás do ipê
e o mar que espera ao tempo seu,
pois o correr é de carros, relógios,
sapatos, gravatas, suores, cafés.

E a andorinha dizendo: sou.

O Espaço transposto em concreto,
em fumaça, em ondas curtas,
em altas frequências, em infra-vermelho,
em baixos amores, em sonhos perdidos
bem antes de serem!


E o Sol gritando: nasço.


Mas enfim, recomeço:
em carros, pessoas.
Em prédios, amores.
No café, o sonho
do dia que vem.
Em bares, assuntos.
No querer, nosso rumo.
No estar, alegria.


E em ser: poesia.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

...

E assim segue o viver distante:
Eu, categórico em amar,
O Tempo a me fazer buracos
e o Espaço a nos desajudar

sábado, 2 de outubro de 2010

Um pouco sobre política

Engraçado existirem tão poucos posts sobre política por aqui. Aproveito a véspera das eleições para citar algo interessante que tenho observado na grande mídia e em algumas pessoas com quem convivo.

Sempre houve por parte do brasileiro que se considera acima de uma pretensa média cognitiva a reprodução do seguinte discurso: o problema do Brasil é a personificação do candidato. Obviamente essa idéia vigorava aqui como o racismo: existe, mas ninguém pratica. Enfim, poderíamos dizer que a "elite" brasileira acreditava escapar desse fenômeno predominantemente latino-americano que tira a atenção devida às reais propostas de cada partido, ou seja, da equipe que realmente irá influenciar o comportamento dos políticos eleitos.

Nos deparamos agora com o quadro de nossas eleições, cujos três principais partidos são: o PT, partido de um líder com índice mítico de aprovação; o PSDB, partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; e o PV, que embora tenha uma candidata bastante afinada com causas sociais trás a base de sua campanha fortemente ligada a grandes empresários e pretende firmar alianças com partidos como o Democratas e o próprio PSDB. A grande mídia, cujos maiores expoentes têm agido nos últimos meses como acessores de José Serra, têm insistido em um argumento absolutamente pobre e alienante para invalidar a candidatura de sua principal opositora e atual favorita à ocupação do Executivo: Dilma Rousseff é despreparada para assumir a Presidência pois nunca ocupou um cargo eletivo.

Interessante notar que os eleitores que abraçam essa idéia são, normalmente, os de classe média e média/alta, animados pelo discurso midiático. Esses grupos que meses atrás questionavam o caráter personalista da política brasileira. A estes, conto um segredo: nenhum presidente - por mais carismático ou intelectual que fosse - governou o país do jeito que queria. Eu sei que dói, mas sempre fomos governados por equipes partidárias que definem as escolhas ministeriais e os principais acessores. É claro que um carisma como o de Lula gera impactos tremendos, mas não muda o fato de que ele precisa da base política que é fornecida pelas alianças de seu partido com o Congresso.

Será que tem alguma importância a Dilma ser ou não "fabricada" pelo PT se o atual governo apresenta propostas coerentes? Talvez seja pior um partido dar as cartas escondido atrás de um líder carismático.
Mas eu também gosto da Marina, gente...prometo!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A uma amiga

Quando você passa, as coisas vão virando suas: olhares, sorrisos, canções. Como é fluido esse mundo que encrudesce com seu olhar na mesma certeza em que brilha a um sorriso seu. Mas há quem não goste - e já digo logo não ser o meu caso - de ver-te assim tão presente em querer. Conto, então, uma história engraçada pra ilustrar esse fato.Certa vez o destino, na condição de ser pleno (ou plena arrogância, não sei), quis engendrar-te a mais concreta das dores, aquela que sentimos quando alguém que é pedaço nosso embarca em viagem sem-fim. Eis que você olhou-o de frente e ordenou-lhe que fosse: e até hoje ele segue, coitado, categórico em ser do jeito seu.

Daí em diante, são só capivaras no jardim...

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

...

Diga a Maria que os ventos da primavera vêm trazer sua chuva. Ou melhor, esqueça, ela já deve ter percebido. Diga apenas que quando o céu derramar suas lágrimas ambos sentiremos frio e que faz pouco sentido escondermo-nos em guarda-chuvas separados. Diga que meu violão anda meloso a cantar certo amor por ela.
Diga que os seus olhos dariam um livro: resignificaram a distância e ainda hoje existem em mim, apesar de ausentes. Penso que devíamos avisá-la que os amores acabam e seu maior assassino é o silêncio da indiferença...mas não gosto de mentiras: ambos sabemos a força do eterno. Peça apenas que ela apareça um pouco, que traga o cachorro - ou o gato, não sei - para brincar conosco. E mostre, discretamente, por ser ela arisca, que quero apenas aquecer corações no aconchego da paz.

Entregue essa carta sem pressa, pois é a urgência o vício da vida: e não se esqueça, leve um guarda-chuva, Solidão...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Mentir

Minto. E continuarei mentindo enquanto acreditarem que existe verdade.

domingo, 12 de setembro de 2010

Sobre o que nos escapa

Certa vez, visitei Itaoca - uma cidade litorânea habitada quase exclusivamente por pescadores. Em um dos dias que lá passei, resolvi assistir ao nascer do Sol. Que coisa boa é poder vê-lo surgir do fundo do mar tingindo de rosa o firmamento. Para tal empreitada, arrastei minha irmã. Quando começou o espetáculo, algo que não esperávamos ocorreu: milhares de siris voltavam do mar para abrigar-se em seus buracos na areia. Aos olhos de minha irmã, assustada com os pequeninos seres, aquilo acabou com sua contemplação da aurora. Ela mal tinha coragem de pisar na areia, mas um sentimento diferente imprimiu suas marcas em mim.

Imagino que em cada uma das manhãs que experimentei ao longo da minha vida, não importa o que eu fizesse, sentisse, ansiasse, temesse: os siris sempre voltavam à areia. E quantas foram essas auroras, quantas ainda deverão vir. Assim como serão infindos meus anseios, medos, contingências...

Pode ser que me perguntem "E daí? O que nos diz essa história?". Pois é, também não sei: quem dera caber em mim tamanha compreensão do estarmos.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Pausa

Aos poucos leitores desse blog, aviso que estarei em viagem na próxima semana e por isso entraremos em breve período de pausa. Aos que ficam, desejo paz;

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Às paredes

Não se esconda no seguir engrenagem dos relógios, nas cadeiras ambulantes de escritórios, em nós sufocantes de gravatas, no sexo que abriga ou preenche, nos sorrisos frios dos dentes. Não se esconda em amores febris, em palavras sutis - dizem que só elas escondem -, em gestos gentis, no aconchego do abraço, no cigarro do maço, nas conversas sem fim: não fuja de ti. Aonde fores haverá sempre você.

Amigos, família, amores eternos, estão todos sozinhos, fadados (fardados) ao fim (de esquecimento). É ilusão enxergar transcendência entre os seres, só há o existir de cada. Deixe de se esconder nos outros, criatura nojenta. Aceite que você é só e rompa de vez a peça que lhe prepararam.

...

Viver dói e estamos sós: alguém quer conversar sobre isso?

domingo, 22 de agosto de 2010

Ser concreto

Vou embalar teu sono na canção de um sorriso sob a luz de um amar - ou a luz de um querer, não decidi ainda. Sei que haverá um abraço. E será um carinho eterno em profundidade, porque o tempo - ah, essezinho - só é eterno ao que nos escapa. E vou chamar os anjos todos: me disseram uma vez que anjo gosta de embalar sono. Dizem que eles trazem harpas e entoam canções de louvor. Acho que é mentira essa história, sabe? Meus anjos vão tocar sanfona - mas bem de leve que é pra você descansar - e vão ler Guimarães pra gente lembrar que é o existir nosso propósito único e temos que fazê-lo bem. Isso enquanto dormimos - te contei que vou dormir também? Vou dormir porque agora eu quero tudo concreto: como é concreto esse sonho, essa luz e o amor que lhe escreve agora.

domingo, 8 de agosto de 2010

Pai

Vejo você com aquele boné velho, sujo de tinta e argamassa. A bermuda rasgada, o rosto cansado mas sorridente ao me ver revirar os entulhos de nossas diversas casas sempre em construção. Algumas vezes trabalhava o dia inteiro, à noite dava aulas e quando voltava a um de nossos lares - sempre tantos e em eternas construções - ia lá pintar parede, erguer pilastra, assentar piso. Agora vejo a mim, esperando você sair para ir correndo pegar suas ferramentas e brincar de enfiar pregos nas madeiras: me fascinava o barulho do martelo, que tantas vezes embalava meu sono e era pra mim a canção sua. Nunca foi pedreiro no sentido técnico capitalista, mas a vida nos diz que sim: erguia paredes de sonhos.

Lembro do modo que falava das bibliotecas e alimentava em mim a imagem de um mundo repleto de vidas diversas, estantes reluzentes, prazeres infindos. Era exatamente assim. Todos os dias você me ouvia pacientemente contar as histórias dos livros que eu trazia e sempre me perguntando "onde foi que paramos ontem?". Íamos a caminho do colégio enquanto você nos fazia perguntas sobre música, ou política e eu sonhava com o dia em que teria um pouco de tanto conhecimento, afinal, nunca alcançaria tudo. E quantas vezes vi você empurrando seus carros nesse mesmo trajeto, por serem velhos e terem como destino o fim ou simplesmente por faltar gasolina. A gente achava graça, ou reclamava de fome.

O certo na vida é que se trilhe caminhos tortos. E foi um desses caminhos - que tanto transformam o ser - que te afastou por um tempo de nós. Nossos encontros ficavam restritos a almoços esparsos e o vazio de casa só a dor preenchia. Amar é superar conflitos. E amamos. No hoje, você me pede opinião sobre as eleições, as revistas, as notícias nos jornais e sei que muitas vezes as acata. Por mais que eu corra a abraçar o mundo com minha ansiedade de criança não deixarei nunca de ser parte de ti, aquele que transcendeu o ser e tornou-se formador: eu, ser humano, você, o pai.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Contra o unitarismo do ser

Vivemos constantemente condicionados à necessidade de sermos. Não na acepção holista do verbo, que abarcaria a plenitude do exato, mas num sentido tosco, limitado, de ser um. A cada vez que nos comunicamos esperam de nós um argumento "coerente", como se coerência fosse necessariamente a imutabilidade da resposta e não o embasamento emocional. Por mais que tentemos exterminarmo-nos através da linguagem, sempre que buscarmos a compreensão sincera de nossos sentimentos iremos nos deparar com o fato de que o ser não é unitário. Perceberemos que amamos várias pessoas ao mesmo tempo e que escolhemos uma por um conjunto múltiplo de fatores - a imposição social, a reciprocidade em um sentimento - e não necessariamente por a amarmos "mais".

Reacionários dirão que tal unitarismo, mesmo que forçado, é necessário à convivência em sociedade, afinal, abraçarmos a multiplicidade que nos é inerente implica em vivermos no caos. Mentiras de alguem que ama fugir de si! Essas pessoas se escondem em uma forma de opressão que nos obriga a fingirmo-nos um só e dissolve entre nós a essência do ser. E posso sim falar em essência neste caso, uma vez que não a defendo como a verdade natural e absoluta: falo da essência como ímpetos diversos, conflitantes, mas nem por isso falsos. A idéia de que a coerência no sentido expresso acima é necessária ao convívio social vem de uma cultura moderna que adora o conceito de eficiência e impõe a maximização desta às relações, aos amores, às posições políticas.

Esse movimento que nos empurra à procura de uma verdade inexorável em nós, só gerou ao longo do tempo guerras entre grupos extremistas e conflitos insolúveis nas relações. Devemos olharmo-nos como vários e mutáveis para, nessa condição, respeitarmos os outros.

sábado, 24 de julho de 2010

Namoro

Acontece que as vezes meu coração bate tão forte quando te vê que o mundo entra em mim e eu fico como fosse o vazio - o existir inteiro foi se esconder no universo do eu. E aí fico tão bobo, tão alheio de ter licença, que vou sem jeito buscar sua mão. Faço isso pra ver se acho em pele sua o mundo inteiro que há pouco me faltou: faço, então, para ver se existo.

Mas aí me espanto - e há quem diga existir poesia no espanto - com a idéia de me escapar pelos dedos, esses que acompanham singelos os dedos seus, o mundo que conheci em você. E me vem um aperto no ser que corrói inteiro o corpo meu, como ele existisse só a fim de conhecer o medo. Mas tudo isso vem dentro de alegria, paz mesmo, por você estar: por sorrir com os olhos e ter um sorriso verde. E é dessa paz que vem meu abraço, da calma de quem consente em amar o agora.

Meu bem, não permita que lhe espante o que vou contar ao fim. Deixei por último mesmo de propósito, por restar em mim algum saber. Há certas horas que tudo em mim é fogo, e universo, e mundo, e paz, e certeza do agora; e quero lhe expressar o eterno com palavras tão efêmeras quanto nós. Tudo me é falho. Nessas horas, em que a garganta aperta num grito sufocado que só tem por certeza o sufoco futuro, meu corpo é, em ti, mais ser do que eu: e aí quero beijar a boca sua.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Beijos

Meus beijos têm sempre vontade de acabar logo. Não que haja nisso alguma pressa, mas vontade de que acabemo-nos um no outro. Pode ser que nós dois, por descompassos bobos da vida, tenhamos evitado esse beijo do acabar sem fim. Só há na vida descompassos, do contrário seríamos o avesso do existir: prever. E aí que venham choro, paixão, abraços, desamores.

Mas que venham todos em contingência.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Eu, você, nós

Eu só silêncio, você canção - nós dois em contingência - e aí o novo.
Eu partitura, você a clave e a dançar em paradigma seu a  sinfonia.
O nós  Tropicália, você Olodum e eu, talvez, a guitarra baiana.
De repente você silêncio e eu Tropicália: nós, nada.

Agora, eu pedreiro, você a preparar minha marmita e nós dois a virar algo de concreto.

domingo, 11 de julho de 2010

Olhar

Eu quis ver aquela árvore de manhã. Talvez o Sol nascesse lento e o mundo cantasse um sabiá que voaria entre as flores. Voaria sonhos, amores, promessas, pessoas, sorrisos, anseios: posaria de vez na flor rosada da aurora.

Prescreveria o dia, que se vê concreto no amor das árvores - essas sim sabem aproveitar a vida, abraçando o infinito e lançando flores aos céus, enquanto passa o viver apressado de quem não sabe ser paz. Viria o crepúsculo.

E enfim a lua: estendendo ao mundo seu manto de noite na fluidez eterna de quem recusa flores. E a vê-la entrecortada  por galhos, nós dois - sua mão em minha e eu a dizer-te: não fuja meu bem, pois há beleza no canto da noite que sonha em amar.

Ao que passamos

Mais uma vez paramos bem aqui
Nesse silêncio de quem sabe tudo
Que o outro diz nesse discurso mudo
Ou vai dizer naquela frase ingrata
Esse seu jeito de chorar me mata
Não me acuse nem me mande embora
Foi o exato quem nos fez assim
Foi só amor o que sobrou de mim
E é só amor o que lhe trago agora

terça-feira, 6 de julho de 2010

Saudade

Te olhar é estender no infinito
- já que é sempre infinito o querer-
O abraço perpétuo entre nós
pressentindo o amar.

Amar é querer ser eu
apenas para que possamos, juntos,
tornar maior o sentido
de sermos alguém.

Saudade é querer que o agora
seja o olhar eterno de amor.

sábado, 3 de julho de 2010

A uma conversa na beira do cais

Eu gosto é de olhar o mundo por cima: e por baixo, de frente, dos lados. Sentir a consistência, morder, cuspir e botar na boca de novo. E não falo só desse mundo concreto, areia, sal, pedra, sol, universo: falo do infinito inteiro que a gente carrega em matutar. E é com isso que eu brinco mesmo, de sorrir, chorar, de ter agonia, de faltar palavra e responder com reticência...

De primeira, pensei que eu devia ser doido. Tanta coisa ruim nessa vida e eu ia só ficar olhando? E aí encarei bem essa história de ser ruim: olhei por cima, de lado, cuspi e peguei de volta. Achei que esse negócio é tudo inventado. Como: é inventada. regra de português - Como sou inventado inteiro e por consequência o que em mim é bom, o que em mim é tosco, o que em ti sou nós. Eu devo ser mesmo menino bobo: pra mim o mundo é massinha de modelar. E quando eu enjôo transformo o que é passado no vir a ser saudade de ontem e sempre misturando as cores que é pra ver se aparece uma nova que a professora não ensinou.

Eu já enjoei de gente passando fome, de quem não ouviu violão, de quem nunca sentiu saudade, de quem só soube foi viver dela e tudo isso ainda estou remodelando: bicho homem nasceu mesmo é pra ser deus.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

-

O sexo é a construção física do que é se relacionar: estar no outro ou envolvê-lo na amplitude quente do amar.

domingo, 20 de junho de 2010

Patrocínio do Muriaé

Agora toca o sino da igreja. Ouve ele ecoando lá em Patrocínio? E a gente desce correndo da árvore, depois de ver nossa família toda indo lá prestar a deus as contas que não temos, afinal, todos somos pureza. Tínhamos asas naquele tempo: de folhas de bananeiras, de papelão, de sonhos. Víamos os ninhos de canários e queríamos levá-los pra casa e chocar com nossos cobertores para que quando eles crescessem fossem mansos e comessem na mão da gente. Do lado mesmo da Igreja jogávamos bola até os pés não aguentarem mais e passávamos horas nos esfregando para tirar um pouco da sujeira que acumulamos o dia todo; quando se é criança não há lógica no banho: o mundo é sujo, estou no mundo, pra que fugir? Meu filho só vai tomar banho quando quiser.

A gente transcendia tudo que era inútil. O tempo se media pela hora que dava fome, a hora que o Sol se escondia atrás do morro e a hora que nasceu de novo. Odeio esses relógios chatos de cidade grande que estão por toda parte acusando o atraso em tarefas que nos escondem da vida. Lembra que conhecemos um pescador que levava a gente pra andar de jangada no rio Muriaé? E víamos nosso futuro à frente, como a correnteza em si, pensando no tempo em que teríamos três cachorros e aquela bicicleta de fazer trilha. Só quem já desceu correndo o morro sabe como é voar. Parece que os pés não tocam o chão e vai dando um medo de cair que gela a barriga da gente. E é tão difícil roubar côco em coqueiro alto... lembro da gente saindo de casa com o facão escondido e de como o vizinho tinha raiva que a gente entrasse no terreno dele.


Acho que a vida é como a água que desce daquele côco roubado, não é boa pelo gosto em si, mas pela história que engendra.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Quando há luz

Nem tudo brilha quando é distante o amar. Nos dias frios, de pessoas frias, sou o escuro mesmo de quem quer se apagar da amplitude cadente que é ser alguém. Sou mal-feito, de prazeres pequenos, alguém que não viveu o mar, que não viveu você. Sou o oposto exato do orvalho: opaco à luz do dia. Ai de quem me oferecer sorrisos deslocados, abraços fadados ao fim do existir, meu coração não se vende a rompantes baratos de afeto. E toda beleza é pouca ante a imensidão do que me enfada - o silêncio me constrange, o barulho me reprime. O frio é o tremor sem-fim na neve densa do ser só. Nem tudo brilha quando é distante o amar.

Mas sejamos grandes meu bem, na minha terra não neva. Desde você, vejo no frio o que me leva ao corpo outro, vejo no espaço o devir eterno do que é ser paz. Sou mesmo o oposto do nada: amor. Mas há quem transforme amar em necessidade de ter e aí me torna falho o conceito. Não quero precisar de ti, quero pensar em ser teu. Seríamos caminho de mar, se aproveita a viagem em busca de um fim que pouco importa ao coração, engendraríamos o buscar ser amor. Eu veria no silêncio o poder traduzir e no barulho a canção de uma voz. É pra você que escrevo hoje, mas não sempre porque o sempre encerra em si a surpresa do agora. Aproveitemos a viagem...

sábado, 12 de junho de 2010

Música, deus, poesia

Como sabe a maioria de meus amigos, sou convictamente ateu. Mas trago hoje uma música linda que trata de forma extramente poética as relações entre o homem e questões transcendentes. A mim, Chico César e Bráulio Tavares elucidaram muito bem a indefesa condição humana. A música se chama Teofania e o vídeo, que eu mesmo postei no Youtube por falta de outro, encontra-se neste link aqui.

Além do bem e do mal
Com seu amor fatal
Está o ser que sabe quem sou
No tempo que é um lugar
No espaço que é um passar
Espreita-nos um olhar criador

Muitos me dirão: que não
Que nada é divino, nem o pão, o vinho, a cruz
Outros rezarão: em vão
Pois nada responde e tudo se esconde - em luz

Deus do roseiral, do sertão
Do ramo de oliveira e do punhal
Deus dos temporais, dos tufões
Da dúvida, da vida e a morte vã

Quanta solidão e eu não sei
Se homem só suportarei
Um sinal, um não,
E silencie, aqui e além, a dor

Deus das catedrais, dos porões,
Da bíblia, do alcorão, da torá
Deus de ariel e caliban
Da chuva de enxofre, do maná

Quanta solidão e eu não sei
Se homem só suportarei
Um sinal, um não,
E silencie, aqui e além, a dor

Além do bem e do mal


Um grande abraço a todos

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Palco

E aí eu estava no palco e fui mandado mesmo a atuar. O diretor - invisível ou não, onipresente, tirano, talvez mera abstração - tinha um papel preparado pra mim, eu devia ser essência. Confesso que de início fiquei meio perdido, ator iniciante, procurando em teatro o meu papel. De tudo representei, trabalhei e fui malandro, jogador de futebol, fui leitor e até poeta! Inventei de musicar e fingi ser danado de bom, desses que animam São João - nos sons do mundo me fiz. Só não fui de gravar discos, por ser assim coadjuvante. Escolhi regionalismos e foi então que me alegrei representando de mineiro, carioca, sertanejo, imigrante ilegal, operário chinês. Em nada fui um bom ator.

Quis me espelhar em você. Fui fingindo sorrisos, brincando de ser seu. Te mostrando o horizonte, a transcendência da aurora que finge tingir o céu. Atuando me vi eu.
Ser em essência é representar bem feito: e é essa a essência de tudo.

sábado, 5 de junho de 2010

Brasil

O Brasil é uma mulher negra de saia jeans - cós alto - distribuindo panfletos em frente a um templo budista.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O amor e as retas

Temos sido duas retas paralelas: espero que cruzemo-nos no verde infinito dos teus olhos. Mas acontece que sou um romântico pós-moderno e a mim viver implica em atritos, quem sabe sermos tortos às vezes! Porque aí o amor não é belo por ser casto e perfeito, mas sim por resistir. Na geometria que traço podemos ser então um encontro diagonal qualquer que nem vê beleza no ranço brega da harmonia, somente no contato. Ou então podemos abolir o nós dois e engendrar somente o nós, único, ao mesmo tempo eu e você. Mas é meio triste essa história de retas coincidentes, eu gosto é de ti, não de mim.

Façamos então o seguinte! Esqueça essa história de geometria, o certo mesmo é que não somos nada. Questionemos até a necessidade de vir a ser amor, a vontade de explicar, a vontade de dizer. Deixarei aqui somente o que não posso escolher. O que sinto quando te vejo sorrir, quando te abraço bem forte, quando procuro ainda mais de ti no fundo dos teus olhos lindos: me afogar de vez no sentir.

Pode ser que eu queira tornar-me qualquer coisa que tenha você.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Educação x Mercado

Quando comecei a dar aulas era apenas um garoto de 17 anos que pouco sabia sobre 'métodos pedagógicos' além de minhas concepções revolucionárias de quem não conhecia outra lógica de existência além da sentida por um aluno. Por esse motivo tinha com meus discentes mais novos (7 a 12 anos), tanto de violão quanto de matemática, a seguinte postura: raramente me exaltava quando algum deles se 'comportava mal' e levava à sala de aula várias opções de dinamização. No violão fazíamos uma grande roda em que todos os vinte alunos deviam escutar cada um dos colegas tocando e sempre levava alguns estudantes ao quadro para resolverem problemas matemáticos, explicando aos colegas e contando piadas de vez em quando; em um determinado dia da semana fazíamos ao fim das aulas uma brincadeira escolhida pelos alunos - das quais eu participava - entre outras coisas do tipo.

Esse tipo de atitude criava um ambiente bem diferente do que é percebido em aulas tradicionais. As crianças me respeitavam, mas nem de longe eu conseguia deles o silêncio e o comportamento - para alguns, sinônimo de atenção - obtidos por professores mais experientes que eu. Desse modo passei a achar que meu comportamento estava errado e deveria ser mudado: minha aula era uma zona. Por conflitos de horários acabei deixando as aulas de matemática e me concentrei apenas no violão. Depois de quase dois anos de experiência consegui inferir - uso esse verbo marcante de propósito - aos meus alunos o comportamento considerado didático pela pedagogia vigente mas, sem que eu percebesse à primeira vista, algo foi se perdendo. Meus alunos continuam mostrando por mim um grande afeto, já que sempre os trato com muito carinho, mas não se sentem mais tão à vontade dentro de sala. Hoje quando dou as aulas por encerradas a grande maioria vai embora e apenas uns poucos continuam tocando e tirando as dúvidas sem fim...há um ano eu tinha que mandá-los embora, pois ficavam todos.

Não percebi essa diferença sozinho. Um dos meus melhores alunos - de nove anos apenas - e que me tem em grande estima me disse hoje no meio de uma aula: "Tio, você não faz mais rodas pra tocarmos nossas músicas preferidas, nem faz brincadeiras no fim da aula, agora a gente só tem que ensaiar, ensaiar, ensaiar, estamos cansando." Na hora fiquei ligeiramente chateado e não acatei de imediato a observação dele, mas passei essa noite inteira pensando nisso. Não há nada melhor que aprendermos aquilo que nos desperta curioside e encantamento.

A educação não deve ser necessariamente tratada como uma linha de produção mercadológica. Deve ser humana, ouvir o interlocutor. As crianças têm seus anseios, opiniões e estes não devem ser ignorados para que elas não se tornem adultos que ignoram opiniões dos outros. O conhecimento não deve ser visto como algo congelado que deve ser enfiado nas mentes deles...deve ser instigado, deve atrair. Sei que existem diversas correntes pedagógicas que defendem essa forma de abordagem e as acho realmente atraentes mas, o que expresso aqui é a minha opinião, ou melhor, o conhecimento que aprendi com meus alunos: amanhã haverá brincadeira.

domingo, 16 de maio de 2010

Amar é querer construir vários rios de saudade que deságuam num mar sem fim de paixão...

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O Abraço

O Sol do meio-dia o queimava por inteiro: os braços, o rosto, a consciência. Já não sabia se o ônibus era quem o dirigia. Pensava nas crianças, o menino do meio que desenhara disforme o paquiderme automotivo na folha inteira, tornando o pai identificável apenas pela seta apontando o lado do motorista. 'O meio-dia existe pra gente lembrar que é pequeno'. Não foi nesses termos formulada a reflexão, lê-se aqui a tradução possível do que restou nas cinzas da já citada consciência - a dele ou a minha. Um carro saiu apressado do cruzamento, é preciso frear a fim de permitir a continuidade da existência. Uma mulher gorda subiu as escadas, achou que ela não passaria na roleta, mundo injusto esse que nos exige milhares de adequações; depois outra com cinco filhos, dois gêmeos no colo, um outro catarrento arrastado pela mão e os mais velhos a se adiantarem sobre os assentos preferenciais. E o Sol a transpirar calores.

Era dia de pagamento aos atendentes de telemarketing. Ela corria apressada ao banco para retirar o dinheiro que simbolizava o paradoxismo do capital viver: receber para pagar financiamentos que voltavam aos bancos. Pensou que são todos uns filhos da puta e esse pensamento engendra a exata essência de sua gênese - há coisas que nem o meio-dia destrói. Saiu apática com o dinheiro que não daria pro mês mas, ante ao calor soberano decidiu-se por uma coca-cola na venda do outro lado da rua. Atravessou de uma vez a faixa de pedestres a pensar talvez em como nutrir o feto que trazia há menos de um mês, já que o pai se perdeu por aí depois de uma noite no frevo.

E então veio o ônibus, na categórica travessia da faixa. Escreviam um ângulo reto - o referido meio de transporte público e a faixa destinada à segurança de pedestres - sendo a moça, já que adentramos matemáticos termos, o ponto de origem em tal encontro fatídico. Fora um abraço bruto (como são brutos muitos abraços) esse entre as ferragens e o corpo frágil da grávida inadimplente. E o Sol a queimar o asfalto.

domingo, 9 de maio de 2010

Canção ao nosso domingo

A mídia brasileira só costuma divulgar de Caetano Veloso suas músicas mais populares. Muitos desconhecem a profundidade de sua poesia e como esse artista rompe paradigmas na construção musical. Deixarei aqui a letra e a música que dá nome a um dos meus CDs preferidos dele. Um bom domingo a todos vocês! Espero que gostem...

Livros - Caetano Veloso

Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou – o que é muito pior – por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras

Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas

sexta-feira, 7 de maio de 2010

...

Diga a Maria que lhe sou todo indiferença. Diga também que pouco me importam agora aquelas nossas brincadeiras. Não vejo beleza no azul do céu nem procuro mais folha de alface nos sorrisos pra achar graça depois. Não me aborreço procurando as chaves antes de sair. Acho que procurar é o sentido da vida. Diga a ela que ser poesia é prescrever o amanhecer do dia num brilho intenso de amor. Tranquilize-a, não mais irei me irritar com injustiças e bater forte na mesa em conversas de bar.

Não use jargões sobre a efemeridade do eterno, a verdade é que não a amo mais. Diga a ela que deve ouvir Hamilton de Holanda. Que não se esqueça de descer com o lixo nem de dar comida ao cachorro; Apague aquela besteira que eu disse lá atrás sobre ser poesia. Ah! Não fique de rodeios: avise a Maria que morri. E antes que eu me lembre de algo mais vá-se embora, vá logo, Saudade...

domingo, 2 de maio de 2010

Interpretações

A sós, à luz do quarto, éramos nós
A ânsia de tornarmos um só ser.
Em mim, a consciência do vazio
Em ti, por natureza, preencher

À cama nos deitamos incompletos
Mas plenos de certeza em conhecer
Eu, a te ouvir histórias mil
Na eloquência muda de você

E fomos corajosos nesse rumo:
Te adentrando eu fui me descobrir
Em versos tortos como é viver

E em meio aos devaneios dessa noite
Extasiado em ti, adormeci.
E tu, meu livro, caístes em mim

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Boas iniciativas

O Supremo Tribunal Federal tomou uma iniciativa muito interessante inspirada por um ato parecido do Supremo americano. Criou um canal no Youtube no qual são disponibilizadas aulas de direito adminitrativo, constinucional, processual penal - entre outros - e ainda compromete o presidente do STF a responder a perguntas de internautas. Para garantir isenção na escolha das perguntas o responsável por tal é a própria empresa Google, que apenas divulga as perguntas sucitadas e leva ao debate as mais votadas.
É uma prova de que boas idéias podem sim diminuir o abismo que nos separa do ideal e da prática democráticos. Essa iniciativa aproxima a população ao único dos três poderes que não é legitimado por voto direto. Confiram neste link os vídeos disponibilizados pelo canal

terça-feira, 27 de abril de 2010

Fogo Alto

A canção que me toca é o tambor do meu ai
Sou meu sinhô, sou meu sinhô, camara
Os grilhões dessa história ainda hei de quebrar
Sou meu sinhô, sou meu sinhô, camara

Sou Jejê, sou Nagô, já me perdi no mar
Hoje sou Brasil, hoje sou Brasil, camara
O meu corpo na terra, o açoite no ar
Hoje sou Brasil, hoje sou Brasil, camara

Sou filho do deserto onde há terra e há luz
De navio vim e sem céu me vou, camara
Fiz do sangue o meu vinho e do tronco a cruz
De navio vim e sem céu me vou, camara

Derramaram meu sangue em nosso país
Nos quilombos fiz do meu grito canção
E vem Dona Izabel falar de libertação.
Fui jogado na terra sem dinheiro, sem lar
Com meus cinco filhos pra alimentar
Libertação, libertação, camara
Me desculpe senhor não é pra me queixar
Há sempre na vida algo pra se alegrar:
Capoeira, roda de samba ai ai ai

E hoje em dia se volto pra casa cansado
Na noite escura um branco do lado
Foge de mim como se eu fosse infrator
Isso eu não sou,isso eu não sou, camara
E olha que beleza, até depois de Mandela
É de muito negro que se faz a favela
E sem céu me vou: sem céu me vou, camara



O texto acima é uma letra cuja a música pretendo ainda providenciar nesse post. Não é uma obra-prima da composição mas continua sendo um olhar entre tantos outros sobre a situação dos negros no Brasil e por isso achei interessante compartilhar aqui.
Um grande abraço a todos!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Monólogo entre quatro paredes

Quatro paredes. Um cômodo triangular seria, provavelmente, considerado mal estruturado: o que se faria então com os móveis? Tudo agora era silêncio e ele degustava cada gota dessa ausência. O chefe havia ordenado uma dessas tarefas que qualquer outro da repartição poderia realizar, a vida na verdade é uma enorme repartição. Pensou que essa era uma frase digna de um grande pensador, mas pensadores não são funcionários públicos.

Não havia por que reclamar de sua vida, afinal tudo é poesia e, no seu caso, parnasiana de métrica marcante. Refletiu sobre cada colega seu, todos trabalhando, todos pensando na rotina de seus outros colegas e achando que cada um talvez não veja sentido no ser. A cada dia, enviar os mesmos documentos: “Ricardo, Excelentíssimo é com c?” Trabalhar para viver e manter a vida de outros. Da mulher, dos filhos, da mãe adoentada. Tudo se sustenta comprando e, assim sendo, a vida se torna um grande mercado: um mercado dentro de uma repartição. Seremos substituíveis porque todos podem aprender nossas funções e assim poderão comprar, transformando nossos lares em escritórios, nosso sexo em guia de tramitação de processo e nosso amor em produtos de liquidação.

E então vem a revolta. Aquela mesma revolta que ele sente toda terça-feira às quatro horas. Mas hoje será diferente. Levanta e, sem olhar pra trás, vai embora. Espera que alguém lhe grite - Aonde vai? - Embora. Não agüento mais esse trabalho, essa rotina fria e sem graça. E então diriam - Não faça isso! Ninguém carimba uma ficha de recebimento de ofício como você - E aí tudo ficaria bem. Ele voltaria feliz ao seu trabalho: seria único.

Mas a verdade é que ninguém o vê entrar no carro e pegar a avenida no sentido oposto ao de sua casa, enfiar-se com pressa em um beco deserto e mergulhar de vez na imensidão do não existir.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Manhã

O Sol surge manso em sua silenciosa onipotência por trás do firmamento, recortado este pelos prédios do viver. Locomove-se em polvorosa a multidão de crentes: a fé de que raiou o dia. Uns escovam os dentes, outros caminham na busca pelo sagrado pão. O barulho é a oposição máxima entre Terra e Universo: as estrelas traduzem em silêncio seu incendioso existir; mas não as bocas mastigando, o suco que chega ao copo, os estômagos que reclamam mesmo a ausência de suco ou pão, os carros dando partida, o ranger das carroças carregadas por equinos ou humanos. Mais uma manhã aos que crêem no andar.

E o momento de louvor nessa tribo - exo-endogâmica, pluripártida, infinita nas n dimensões do existir - toma perene forma em um ritual ao qual todos param e contemplam a complexidade do estar, as vezes reunidos às centenas ou milhares: mais uma manhã de engarrafamento. Diga a nós o que pensar de tudo isso! Você que vê do alto raiarem as manhãs, que já viu dilúvios, guerras, revoluções, amores eternos, extermínios...

Só seremos plenos quando soubermos o que pensam os passarinhos.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Poema IV

Um raio de luz escapou do Sol
Atravessou o Espaço, seu vácuo, seu breu.
De longe olhou as estrelas,
olhou outros raios de luz.
Rompeu a estratosfera.
Teve medo do fim.
Viu o céu, o oceano
Viu florestas e prédios
Viu seus colegas, outros raios de Sol.
Alguns caíram no mar
Iluminaram golfinhos
Outro teve ainda mais sorte
E virou luz de passarinho

Mas ele caiu em José

José inventou o céu, o Sol,
o amar. Teve ódio.
Inventou o Universo, o futuro, o reverso,
sabia voar:
José era infinito

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Poema III

Queria ser como esses tantos
Que vão andando devagar:
Por não haver outro caminho,
Por não haver como voltar.
Poucos amores, sem paixão
Início e fim do existir
Candenciando o coração
Na marcha exata do sentir

Mas eu sou desse tipo estranho
De versos brancos sem razão
Que rimam apenas por saber
Que há na vida algum sonhar
Tecendo corpos sincopados
Compondo às vezes o sofrer
Penso talvez que existir
É consequência do viver

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Poema II

Torpor.
Ante o mundo, as crianças que correm,
os pássaros que cantam, o amor em olhos
transparentes de tão verdes: verdes como o mar;
aaah...o mar! A mim, serás sempre infinito...
talvez pelo verde, talvez pelo amor,
ou talvez porque o mundo tangencia a paixão
e a ser infinito almeja o coração do poeta.

sábado, 10 de abril de 2010

'O violino e o tambor' ou 'Sobre a estética musical e a mentalidade do colonizado'

Fui ontem com um amigo assistir a uma apresentação genial no CCBB de Brasília. O tema desse recente projeto iniciado pelo Centro Cultural é "Nossa Língua, Nossa Música", que reúne vários representantes da diversidade de ritmos e tessituras musicais compartilhada pelos falantes de língua portuguesa. Dividiam o palco nesse dia Índio Cachoeira, Ricardo Vignini e Marcelo Berzotti, representando a música caipira brasileira e o cantor Cheny Wa Gune - acompanhado de sua banda - trazendo uma mistura de instrumentos musicais moçambicanos com instrumentos 'ocidentais' como baixo elétrico e bateria. Seria inútil tentar descrever os sentimentos despertados pelas referidas apresentações, mas essa experiência fez com que eu me decidisse de vez a criar esse post sobre um assunto que há muito me incomoda e que já deve ter ficado claro pelo título.

O país que mais recebeu escravos africanos no mundo ainda guarda o gosto amargo do preconceito. Incentivados pela crença na magnifiscência do europeu colonizador muitos brasileiros ainda engendram o texto visual de um violino ou de uma flauta transversal como dotados de uma 'essência' - sempre essa mania do metafísico dogmático - mais nobre que um tambor, uma chitatya, ou uma timbila. Curvam-se diante da grandiosidade de uma grande ópera mas riem-se de canções entoadas por tribos africanas. Na ânsia de encaixarem sua filosofia discriminatória nas margens de um argumento lógico muitos apelam à tese ignorante de uma diferença no nível técnico de dificuldade que seria maior, segundo eles, nos referidos instrumentos ou construções harmônicas de origens européias.

Será mesmo que não existe nesse tipo de comentário uma influência do colonizador que, pensando apenas em quando voltaria à sua terra levando riquezas do novo mundo, fechou os olhos ao que lhe era estranho e chamou-o 'incapaz'? E assim, após ver-se coberto de preconceitos, tenta dizer que o outro é sim menor por serem de baixa qualidade seus instrumentos, seus métodos de caça, suas vestes - entre outros costumes dos quais foram tolhidos nossos ancestrais escravizados.

Reconhecer esse preconceito não implica em iniciar uma campanha de valorização de uma música sob o manto abstrato do "nacional" e ergue-la ao altar das coisas intocáveis e sim abrir nossa mente às diversas formas de liguagem e construção do mundo, não só atraves da música como foi abordado por aqui mas da dança, da sabedoria popular, religião e, como dito no primeiro post desse blog, tudo que for fruto do viver.


PS: Acrescento aqui as imagens dos instrumentos moçambicanos aos quais me referi no texto e de alguns grupos africanos como Ladysmith Black Mambazo, Touré Kunda ( do Senegal) e o próprio Cheny Wa Gune. Um grande abraço a todos!


Timbila:

Chitatya:
links:

Ladysmith Black Mambazo


Toure Kunda


Infelizmente não pude achar o vídeo de uma música completa do Cheny Wa Gune mas achei um video com ele tocando timbila em um mercado africano!

Cheny Wa Gune

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Poema I

No início de tudo só havia você:
A plenitude do firmamento,
minha vontade de não ser nada
além do agora

Mais tarde surgiu o eu
e nada era mais encantador
que engendrar no ego
as mais onerosas faces do mundo

Mas agora tudo a cada dia
ganha mais lógica
e grito ao mundo
a minha plena gratidão:
obrigado aos outros
por criarem a mim.