sábado, 10 de abril de 2010

'O violino e o tambor' ou 'Sobre a estética musical e a mentalidade do colonizado'

Fui ontem com um amigo assistir a uma apresentação genial no CCBB de Brasília. O tema desse recente projeto iniciado pelo Centro Cultural é "Nossa Língua, Nossa Música", que reúne vários representantes da diversidade de ritmos e tessituras musicais compartilhada pelos falantes de língua portuguesa. Dividiam o palco nesse dia Índio Cachoeira, Ricardo Vignini e Marcelo Berzotti, representando a música caipira brasileira e o cantor Cheny Wa Gune - acompanhado de sua banda - trazendo uma mistura de instrumentos musicais moçambicanos com instrumentos 'ocidentais' como baixo elétrico e bateria. Seria inútil tentar descrever os sentimentos despertados pelas referidas apresentações, mas essa experiência fez com que eu me decidisse de vez a criar esse post sobre um assunto que há muito me incomoda e que já deve ter ficado claro pelo título.

O país que mais recebeu escravos africanos no mundo ainda guarda o gosto amargo do preconceito. Incentivados pela crença na magnifiscência do europeu colonizador muitos brasileiros ainda engendram o texto visual de um violino ou de uma flauta transversal como dotados de uma 'essência' - sempre essa mania do metafísico dogmático - mais nobre que um tambor, uma chitatya, ou uma timbila. Curvam-se diante da grandiosidade de uma grande ópera mas riem-se de canções entoadas por tribos africanas. Na ânsia de encaixarem sua filosofia discriminatória nas margens de um argumento lógico muitos apelam à tese ignorante de uma diferença no nível técnico de dificuldade que seria maior, segundo eles, nos referidos instrumentos ou construções harmônicas de origens européias.

Será mesmo que não existe nesse tipo de comentário uma influência do colonizador que, pensando apenas em quando voltaria à sua terra levando riquezas do novo mundo, fechou os olhos ao que lhe era estranho e chamou-o 'incapaz'? E assim, após ver-se coberto de preconceitos, tenta dizer que o outro é sim menor por serem de baixa qualidade seus instrumentos, seus métodos de caça, suas vestes - entre outros costumes dos quais foram tolhidos nossos ancestrais escravizados.

Reconhecer esse preconceito não implica em iniciar uma campanha de valorização de uma música sob o manto abstrato do "nacional" e ergue-la ao altar das coisas intocáveis e sim abrir nossa mente às diversas formas de liguagem e construção do mundo, não só atraves da música como foi abordado por aqui mas da dança, da sabedoria popular, religião e, como dito no primeiro post desse blog, tudo que for fruto do viver.


PS: Acrescento aqui as imagens dos instrumentos moçambicanos aos quais me referi no texto e de alguns grupos africanos como Ladysmith Black Mambazo, Touré Kunda ( do Senegal) e o próprio Cheny Wa Gune. Um grande abraço a todos!


Timbila:

Chitatya:
links:

Ladysmith Black Mambazo


Toure Kunda


Infelizmente não pude achar o vídeo de uma música completa do Cheny Wa Gune mas achei um video com ele tocando timbila em um mercado africano!

Cheny Wa Gune

Nenhum comentário:

Postar um comentário