sábado, 30 de outubro de 2010

Eleições

As crianças correndo pelas mesas do bar, atrapalhando o caminhar solícito dos garçons. Uma tropeça na cadeira de um senhor calvo, mas rapidamente se levanta a buscar seu colega munido de dois canudos que usa como a mais poderosa das espadas. Assuntos: os mais variados. Um casal se distrai em banalidades, ele, imaginando-a sem roupa depois da quinta cerveja, ela a contemplar o companheiro que desconhece o amante. E o mundo mais leve nos copos de chopp. Um mendigo pede, pleno em pesar, esmola em nome da mulher e filhos doentes.

Ao fundo, a televisão. No meu governo, investiremos 20 bilhões em saneamento básico, na revitalização das favelas, chega de deixar o pobre alheio a seus direitos de cidadão. Uma mulher ri alto da piada de preto. A senhora promete mais saneamento básico, mas por que em oito anos de governo nada disso foi feito? Comigo será diferente. Um jovem rapaz caminha entre as mesas oferecendo dvd's piratas. No mandato do seu partido, cortaram a verba de defesa à fronteira. Um homem pede três dvd's, outro rapaz caminha esguio a vender amendoins. Dois homens de terno deixam esvair-se no copo a densa rotina do trabalho...

e a Política a nos preencher.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A cientista

Ela me disse que nem se eu quisesse muito poderia dar-lhe a Lua. Disse que a Lua era um astro bem maior que a minha rua e que girava em torno da Terra por uma força maior que a de todos os homens. De tudo que ela disse só aproveitei a palavra astro, que achei danada de bonita. Depois ela falou que eu não podia lhe dar meu coração! No mundo dela, coração é uma coisa que bombeia sangue e isto faz o corpo da gente funcionar. Disso aí achei tudo muito poético e pensei mesmo que devia dar o sangue, pro coração ainda bater, seco, por ela. Daí, a mocinha desandou a falar de pensamentos atravessados:

Disse que o amor é uma construção social, que nem era o coração quem amava, mas ligações nervosas do cérebro e que aprendeu tudo isso com a ciência e a filosofia. E eu pensei que essas coisas não ensinam mesmo é nada: elas nem sabem amar

sábado, 16 de outubro de 2010

(Re)começo

A nos observar: o mundo
Pulsando inteiro em existir somente.
O Sol que nasce atrás do ipê
e o mar que espera ao tempo seu,
pois o correr é de carros, relógios,
sapatos, gravatas, suores, cafés.

E a andorinha dizendo: sou.

O Espaço transposto em concreto,
em fumaça, em ondas curtas,
em altas frequências, em infra-vermelho,
em baixos amores, em sonhos perdidos
bem antes de serem!


E o Sol gritando: nasço.


Mas enfim, recomeço:
em carros, pessoas.
Em prédios, amores.
No café, o sonho
do dia que vem.
Em bares, assuntos.
No querer, nosso rumo.
No estar, alegria.


E em ser: poesia.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

...

E assim segue o viver distante:
Eu, categórico em amar,
O Tempo a me fazer buracos
e o Espaço a nos desajudar

sábado, 2 de outubro de 2010

Um pouco sobre política

Engraçado existirem tão poucos posts sobre política por aqui. Aproveito a véspera das eleições para citar algo interessante que tenho observado na grande mídia e em algumas pessoas com quem convivo.

Sempre houve por parte do brasileiro que se considera acima de uma pretensa média cognitiva a reprodução do seguinte discurso: o problema do Brasil é a personificação do candidato. Obviamente essa idéia vigorava aqui como o racismo: existe, mas ninguém pratica. Enfim, poderíamos dizer que a "elite" brasileira acreditava escapar desse fenômeno predominantemente latino-americano que tira a atenção devida às reais propostas de cada partido, ou seja, da equipe que realmente irá influenciar o comportamento dos políticos eleitos.

Nos deparamos agora com o quadro de nossas eleições, cujos três principais partidos são: o PT, partido de um líder com índice mítico de aprovação; o PSDB, partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; e o PV, que embora tenha uma candidata bastante afinada com causas sociais trás a base de sua campanha fortemente ligada a grandes empresários e pretende firmar alianças com partidos como o Democratas e o próprio PSDB. A grande mídia, cujos maiores expoentes têm agido nos últimos meses como acessores de José Serra, têm insistido em um argumento absolutamente pobre e alienante para invalidar a candidatura de sua principal opositora e atual favorita à ocupação do Executivo: Dilma Rousseff é despreparada para assumir a Presidência pois nunca ocupou um cargo eletivo.

Interessante notar que os eleitores que abraçam essa idéia são, normalmente, os de classe média e média/alta, animados pelo discurso midiático. Esses grupos que meses atrás questionavam o caráter personalista da política brasileira. A estes, conto um segredo: nenhum presidente - por mais carismático ou intelectual que fosse - governou o país do jeito que queria. Eu sei que dói, mas sempre fomos governados por equipes partidárias que definem as escolhas ministeriais e os principais acessores. É claro que um carisma como o de Lula gera impactos tremendos, mas não muda o fato de que ele precisa da base política que é fornecida pelas alianças de seu partido com o Congresso.

Será que tem alguma importância a Dilma ser ou não "fabricada" pelo PT se o atual governo apresenta propostas coerentes? Talvez seja pior um partido dar as cartas escondido atrás de um líder carismático.
Mas eu também gosto da Marina, gente...prometo!