terça-feira, 30 de novembro de 2010

...

Guerreiro, lutou um dia inteiro com o caminhão de lixo
Mais tarde, resistiu bravamente ao calor da cachaça
Humilde, não via por que espantar os mosquitos
Carente, se abraçava sorrindo aos cachorros na praça

Valente, caminhou perdido entre os becos escuros
Certeiro, encontrou ainda acesa a janela do lar
Liberto, resistiu à mulher que tentou lhe prender
Sensato, aceitou o chuveiro sempre pronto a salvar

Calado, escorou-se na mesa vazia de amor
Esperto, acendeu um cigarro a livrar-se do frio
Cansado, atirou-se na cama reduto do ser
Poeta, pensou que viver é abraçar o vazio...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

José

José tinha braços, pernas, olhos, boca e nariz: quase era. Comia, bebia, devolvia transformados os alimentos ao meio. Mas deve ser o viver algo danado de chato, já que deu de ver-se o rapaz muito jogado no mundo. Quis saber que fazia ele ali, e quis saber das pessoas todas, os namorados na praça, os operários na obra, os traficantes na esquina. Percebeu que existir era uma coisa que ocupava plenamente o tempo das pessoas e que cada um dava seu jeito de suportar tanto trabalho sem férias: a vida era mesmo um sistema bem diferente. O tempo ali, correndo, vivendo mesmo pra avacalhar com tudo que um dia acaba; e o mundo - eita coisa bonita - tão grande, em tanta coisa, que era sempre um mistério. José ficou impressionado com a vastidão do que era escolher e com os caminhos tantos das pessoas: existir é algo sem jeito, mas viver é só pra quem quer. Remoía sempre esse pensamento de que repousava em pessoas o decidir.


Fazia muito sol no dia em que José viu matarem um homem. Ao defunto, antes dançarino de forró, namoradeiro e amante de boa cachaça, só restou o livre-arbítrio de uma pedra. Achou isso uma injustiça muito absurda: a gente escolhe de tudo, mas não escolhe o pra sempre? Quis gritar por socorro, mas gritar pra quem? As pessoas da rua não caminhavam só pela calçada: eram passantes também na vida. Então ele inventou um negócio de deus que era uma instância superior e muito pra frente do homem. Esse deus sabia tudo do mundo porque o criou - e fabricou a humanidade também -, conhecia o eterno e era bom. E quando deu em José a sensação de dever cumprido foi um tal de gente morrendo - morria de fome, de sede e até de outras gentes - e o deus sempre de braços cruzados.

Ah José, pequeno diante de deus, perdido no escuro do mundo: agora sim, humano.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Caso

Fosse o amor uma doença, estaria eu gravemente apaixonado. Médicos realizariam seminários para avaliar caso tão raro e atestariam enfim o triste destino a repousar em mim. Caso fosse uma construção social, seria eu um tipo ideal weberiano, ou o paradigma do amar. Fosse uma canção e afirmariam os críticos tratar-se de uma transposição sublime do sentimento à linguagem.

Mas fosse ele um simples sonhar, aquela saudade que aguarda ansiosa o regresso da viagem, um carinho sem-fim que só pode ser dito num beijo...talvez você me entendesse melhor.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

E chega a hora da noite em que sobram os livros e eu: a vida a silenciar seu porquê.