quarta-feira, 23 de junho de 2010

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O sexo é a construção física do que é se relacionar: estar no outro ou envolvê-lo na amplitude quente do amar.

domingo, 20 de junho de 2010

Patrocínio do Muriaé

Agora toca o sino da igreja. Ouve ele ecoando lá em Patrocínio? E a gente desce correndo da árvore, depois de ver nossa família toda indo lá prestar a deus as contas que não temos, afinal, todos somos pureza. Tínhamos asas naquele tempo: de folhas de bananeiras, de papelão, de sonhos. Víamos os ninhos de canários e queríamos levá-los pra casa e chocar com nossos cobertores para que quando eles crescessem fossem mansos e comessem na mão da gente. Do lado mesmo da Igreja jogávamos bola até os pés não aguentarem mais e passávamos horas nos esfregando para tirar um pouco da sujeira que acumulamos o dia todo; quando se é criança não há lógica no banho: o mundo é sujo, estou no mundo, pra que fugir? Meu filho só vai tomar banho quando quiser.

A gente transcendia tudo que era inútil. O tempo se media pela hora que dava fome, a hora que o Sol se escondia atrás do morro e a hora que nasceu de novo. Odeio esses relógios chatos de cidade grande que estão por toda parte acusando o atraso em tarefas que nos escondem da vida. Lembra que conhecemos um pescador que levava a gente pra andar de jangada no rio Muriaé? E víamos nosso futuro à frente, como a correnteza em si, pensando no tempo em que teríamos três cachorros e aquela bicicleta de fazer trilha. Só quem já desceu correndo o morro sabe como é voar. Parece que os pés não tocam o chão e vai dando um medo de cair que gela a barriga da gente. E é tão difícil roubar côco em coqueiro alto... lembro da gente saindo de casa com o facão escondido e de como o vizinho tinha raiva que a gente entrasse no terreno dele.


Acho que a vida é como a água que desce daquele côco roubado, não é boa pelo gosto em si, mas pela história que engendra.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Quando há luz

Nem tudo brilha quando é distante o amar. Nos dias frios, de pessoas frias, sou o escuro mesmo de quem quer se apagar da amplitude cadente que é ser alguém. Sou mal-feito, de prazeres pequenos, alguém que não viveu o mar, que não viveu você. Sou o oposto exato do orvalho: opaco à luz do dia. Ai de quem me oferecer sorrisos deslocados, abraços fadados ao fim do existir, meu coração não se vende a rompantes baratos de afeto. E toda beleza é pouca ante a imensidão do que me enfada - o silêncio me constrange, o barulho me reprime. O frio é o tremor sem-fim na neve densa do ser só. Nem tudo brilha quando é distante o amar.

Mas sejamos grandes meu bem, na minha terra não neva. Desde você, vejo no frio o que me leva ao corpo outro, vejo no espaço o devir eterno do que é ser paz. Sou mesmo o oposto do nada: amor. Mas há quem transforme amar em necessidade de ter e aí me torna falho o conceito. Não quero precisar de ti, quero pensar em ser teu. Seríamos caminho de mar, se aproveita a viagem em busca de um fim que pouco importa ao coração, engendraríamos o buscar ser amor. Eu veria no silêncio o poder traduzir e no barulho a canção de uma voz. É pra você que escrevo hoje, mas não sempre porque o sempre encerra em si a surpresa do agora. Aproveitemos a viagem...

sábado, 12 de junho de 2010

Música, deus, poesia

Como sabe a maioria de meus amigos, sou convictamente ateu. Mas trago hoje uma música linda que trata de forma extramente poética as relações entre o homem e questões transcendentes. A mim, Chico César e Bráulio Tavares elucidaram muito bem a indefesa condição humana. A música se chama Teofania e o vídeo, que eu mesmo postei no Youtube por falta de outro, encontra-se neste link aqui.

Além do bem e do mal
Com seu amor fatal
Está o ser que sabe quem sou
No tempo que é um lugar
No espaço que é um passar
Espreita-nos um olhar criador

Muitos me dirão: que não
Que nada é divino, nem o pão, o vinho, a cruz
Outros rezarão: em vão
Pois nada responde e tudo se esconde - em luz

Deus do roseiral, do sertão
Do ramo de oliveira e do punhal
Deus dos temporais, dos tufões
Da dúvida, da vida e a morte vã

Quanta solidão e eu não sei
Se homem só suportarei
Um sinal, um não,
E silencie, aqui e além, a dor

Deus das catedrais, dos porões,
Da bíblia, do alcorão, da torá
Deus de ariel e caliban
Da chuva de enxofre, do maná

Quanta solidão e eu não sei
Se homem só suportarei
Um sinal, um não,
E silencie, aqui e além, a dor

Além do bem e do mal


Um grande abraço a todos

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Palco

E aí eu estava no palco e fui mandado mesmo a atuar. O diretor - invisível ou não, onipresente, tirano, talvez mera abstração - tinha um papel preparado pra mim, eu devia ser essência. Confesso que de início fiquei meio perdido, ator iniciante, procurando em teatro o meu papel. De tudo representei, trabalhei e fui malandro, jogador de futebol, fui leitor e até poeta! Inventei de musicar e fingi ser danado de bom, desses que animam São João - nos sons do mundo me fiz. Só não fui de gravar discos, por ser assim coadjuvante. Escolhi regionalismos e foi então que me alegrei representando de mineiro, carioca, sertanejo, imigrante ilegal, operário chinês. Em nada fui um bom ator.

Quis me espelhar em você. Fui fingindo sorrisos, brincando de ser seu. Te mostrando o horizonte, a transcendência da aurora que finge tingir o céu. Atuando me vi eu.
Ser em essência é representar bem feito: e é essa a essência de tudo.

sábado, 5 de junho de 2010

Brasil

O Brasil é uma mulher negra de saia jeans - cós alto - distribuindo panfletos em frente a um templo budista.