sexta-feira, 12 de novembro de 2010

José

José tinha braços, pernas, olhos, boca e nariz: quase era. Comia, bebia, devolvia transformados os alimentos ao meio. Mas deve ser o viver algo danado de chato, já que deu de ver-se o rapaz muito jogado no mundo. Quis saber que fazia ele ali, e quis saber das pessoas todas, os namorados na praça, os operários na obra, os traficantes na esquina. Percebeu que existir era uma coisa que ocupava plenamente o tempo das pessoas e que cada um dava seu jeito de suportar tanto trabalho sem férias: a vida era mesmo um sistema bem diferente. O tempo ali, correndo, vivendo mesmo pra avacalhar com tudo que um dia acaba; e o mundo - eita coisa bonita - tão grande, em tanta coisa, que era sempre um mistério. José ficou impressionado com a vastidão do que era escolher e com os caminhos tantos das pessoas: existir é algo sem jeito, mas viver é só pra quem quer. Remoía sempre esse pensamento de que repousava em pessoas o decidir.


Fazia muito sol no dia em que José viu matarem um homem. Ao defunto, antes dançarino de forró, namoradeiro e amante de boa cachaça, só restou o livre-arbítrio de uma pedra. Achou isso uma injustiça muito absurda: a gente escolhe de tudo, mas não escolhe o pra sempre? Quis gritar por socorro, mas gritar pra quem? As pessoas da rua não caminhavam só pela calçada: eram passantes também na vida. Então ele inventou um negócio de deus que era uma instância superior e muito pra frente do homem. Esse deus sabia tudo do mundo porque o criou - e fabricou a humanidade também -, conhecia o eterno e era bom. E quando deu em José a sensação de dever cumprido foi um tal de gente morrendo - morria de fome, de sede e até de outras gentes - e o deus sempre de braços cruzados.

Ah José, pequeno diante de deus, perdido no escuro do mundo: agora sim, humano.

Um comentário:

  1. Nessa viagem à sua vó, descobri que um bisavô dela e um não sei o que seu, era metido a escritor. Do jeito dele, escrevia com grande riqueza de detalhes e de forma bem clara. Fiquei mais espantado ao descobrir que ele nasceu em 13/06/18..não lembro. Quase na sua data. E mais incrível é que nos seus textos, ele fala da sua banda de música, que montou e fotografou (tem a foto aqui). Aí, pensei, esse menino tem uma história. voce tem que ver isso quando voltar. Te amo filhão. bjs.

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