domingo, 20 de junho de 2010

Patrocínio do Muriaé

Agora toca o sino da igreja. Ouve ele ecoando lá em Patrocínio? E a gente desce correndo da árvore, depois de ver nossa família toda indo lá prestar a deus as contas que não temos, afinal, todos somos pureza. Tínhamos asas naquele tempo: de folhas de bananeiras, de papelão, de sonhos. Víamos os ninhos de canários e queríamos levá-los pra casa e chocar com nossos cobertores para que quando eles crescessem fossem mansos e comessem na mão da gente. Do lado mesmo da Igreja jogávamos bola até os pés não aguentarem mais e passávamos horas nos esfregando para tirar um pouco da sujeira que acumulamos o dia todo; quando se é criança não há lógica no banho: o mundo é sujo, estou no mundo, pra que fugir? Meu filho só vai tomar banho quando quiser.

A gente transcendia tudo que era inútil. O tempo se media pela hora que dava fome, a hora que o Sol se escondia atrás do morro e a hora que nasceu de novo. Odeio esses relógios chatos de cidade grande que estão por toda parte acusando o atraso em tarefas que nos escondem da vida. Lembra que conhecemos um pescador que levava a gente pra andar de jangada no rio Muriaé? E víamos nosso futuro à frente, como a correnteza em si, pensando no tempo em que teríamos três cachorros e aquela bicicleta de fazer trilha. Só quem já desceu correndo o morro sabe como é voar. Parece que os pés não tocam o chão e vai dando um medo de cair que gela a barriga da gente. E é tão difícil roubar côco em coqueiro alto... lembro da gente saindo de casa com o facão escondido e de como o vizinho tinha raiva que a gente entrasse no terreno dele.


Acho que a vida é como a água que desce daquele côco roubado, não é boa pelo gosto em si, mas pela história que engendra.

2 comentários:

  1. Me dá saudade da sua infância. =]

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  2. me dá vontade de ter esse passado!
    é realmente uma pena esse mundo XXI,
    ou o que quer que seja que tenha me impedido dessas histórias...

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