sexta-feira, 23 de abril de 2010

Manhã

O Sol surge manso em sua silenciosa onipotência por trás do firmamento, recortado este pelos prédios do viver. Locomove-se em polvorosa a multidão de crentes: a fé de que raiou o dia. Uns escovam os dentes, outros caminham na busca pelo sagrado pão. O barulho é a oposição máxima entre Terra e Universo: as estrelas traduzem em silêncio seu incendioso existir; mas não as bocas mastigando, o suco que chega ao copo, os estômagos que reclamam mesmo a ausência de suco ou pão, os carros dando partida, o ranger das carroças carregadas por equinos ou humanos. Mais uma manhã aos que crêem no andar.

E o momento de louvor nessa tribo - exo-endogâmica, pluripártida, infinita nas n dimensões do existir - toma perene forma em um ritual ao qual todos param e contemplam a complexidade do estar, as vezes reunidos às centenas ou milhares: mais uma manhã de engarrafamento. Diga a nós o que pensar de tudo isso! Você que vê do alto raiarem as manhãs, que já viu dilúvios, guerras, revoluções, amores eternos, extermínios...

Só seremos plenos quando soubermos o que pensam os passarinhos.

3 comentários:

  1. e o mais injusto é que além de saberem... eles podem sair de tudo, voando.

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  2. Mas eles passarão. E se você quiser tentar, a gente sempre, sempre, passarinho :)

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  3. Dar importância às pequenas coisas, é sem dúvida a maior expressão de fé que podemos dar pela vida. Eu invejo os pássaros, porque na sua fé, eles vivem e deixam viver. Todos os dias no engarrafamento, observo se locomoverem em polvorosa a multidão de crente...

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