sexta-feira, 28 de maio de 2010

O amor e as retas

Temos sido duas retas paralelas: espero que cruzemo-nos no verde infinito dos teus olhos. Mas acontece que sou um romântico pós-moderno e a mim viver implica em atritos, quem sabe sermos tortos às vezes! Porque aí o amor não é belo por ser casto e perfeito, mas sim por resistir. Na geometria que traço podemos ser então um encontro diagonal qualquer que nem vê beleza no ranço brega da harmonia, somente no contato. Ou então podemos abolir o nós dois e engendrar somente o nós, único, ao mesmo tempo eu e você. Mas é meio triste essa história de retas coincidentes, eu gosto é de ti, não de mim.

Façamos então o seguinte! Esqueça essa história de geometria, o certo mesmo é que não somos nada. Questionemos até a necessidade de vir a ser amor, a vontade de explicar, a vontade de dizer. Deixarei aqui somente o que não posso escolher. O que sinto quando te vejo sorrir, quando te abraço bem forte, quando procuro ainda mais de ti no fundo dos teus olhos lindos: me afogar de vez no sentir.

Pode ser que eu queira tornar-me qualquer coisa que tenha você.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Educação x Mercado

Quando comecei a dar aulas era apenas um garoto de 17 anos que pouco sabia sobre 'métodos pedagógicos' além de minhas concepções revolucionárias de quem não conhecia outra lógica de existência além da sentida por um aluno. Por esse motivo tinha com meus discentes mais novos (7 a 12 anos), tanto de violão quanto de matemática, a seguinte postura: raramente me exaltava quando algum deles se 'comportava mal' e levava à sala de aula várias opções de dinamização. No violão fazíamos uma grande roda em que todos os vinte alunos deviam escutar cada um dos colegas tocando e sempre levava alguns estudantes ao quadro para resolverem problemas matemáticos, explicando aos colegas e contando piadas de vez em quando; em um determinado dia da semana fazíamos ao fim das aulas uma brincadeira escolhida pelos alunos - das quais eu participava - entre outras coisas do tipo.

Esse tipo de atitude criava um ambiente bem diferente do que é percebido em aulas tradicionais. As crianças me respeitavam, mas nem de longe eu conseguia deles o silêncio e o comportamento - para alguns, sinônimo de atenção - obtidos por professores mais experientes que eu. Desse modo passei a achar que meu comportamento estava errado e deveria ser mudado: minha aula era uma zona. Por conflitos de horários acabei deixando as aulas de matemática e me concentrei apenas no violão. Depois de quase dois anos de experiência consegui inferir - uso esse verbo marcante de propósito - aos meus alunos o comportamento considerado didático pela pedagogia vigente mas, sem que eu percebesse à primeira vista, algo foi se perdendo. Meus alunos continuam mostrando por mim um grande afeto, já que sempre os trato com muito carinho, mas não se sentem mais tão à vontade dentro de sala. Hoje quando dou as aulas por encerradas a grande maioria vai embora e apenas uns poucos continuam tocando e tirando as dúvidas sem fim...há um ano eu tinha que mandá-los embora, pois ficavam todos.

Não percebi essa diferença sozinho. Um dos meus melhores alunos - de nove anos apenas - e que me tem em grande estima me disse hoje no meio de uma aula: "Tio, você não faz mais rodas pra tocarmos nossas músicas preferidas, nem faz brincadeiras no fim da aula, agora a gente só tem que ensaiar, ensaiar, ensaiar, estamos cansando." Na hora fiquei ligeiramente chateado e não acatei de imediato a observação dele, mas passei essa noite inteira pensando nisso. Não há nada melhor que aprendermos aquilo que nos desperta curioside e encantamento.

A educação não deve ser necessariamente tratada como uma linha de produção mercadológica. Deve ser humana, ouvir o interlocutor. As crianças têm seus anseios, opiniões e estes não devem ser ignorados para que elas não se tornem adultos que ignoram opiniões dos outros. O conhecimento não deve ser visto como algo congelado que deve ser enfiado nas mentes deles...deve ser instigado, deve atrair. Sei que existem diversas correntes pedagógicas que defendem essa forma de abordagem e as acho realmente atraentes mas, o que expresso aqui é a minha opinião, ou melhor, o conhecimento que aprendi com meus alunos: amanhã haverá brincadeira.

domingo, 16 de maio de 2010

Amar é querer construir vários rios de saudade que deságuam num mar sem fim de paixão...

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O Abraço

O Sol do meio-dia o queimava por inteiro: os braços, o rosto, a consciência. Já não sabia se o ônibus era quem o dirigia. Pensava nas crianças, o menino do meio que desenhara disforme o paquiderme automotivo na folha inteira, tornando o pai identificável apenas pela seta apontando o lado do motorista. 'O meio-dia existe pra gente lembrar que é pequeno'. Não foi nesses termos formulada a reflexão, lê-se aqui a tradução possível do que restou nas cinzas da já citada consciência - a dele ou a minha. Um carro saiu apressado do cruzamento, é preciso frear a fim de permitir a continuidade da existência. Uma mulher gorda subiu as escadas, achou que ela não passaria na roleta, mundo injusto esse que nos exige milhares de adequações; depois outra com cinco filhos, dois gêmeos no colo, um outro catarrento arrastado pela mão e os mais velhos a se adiantarem sobre os assentos preferenciais. E o Sol a transpirar calores.

Era dia de pagamento aos atendentes de telemarketing. Ela corria apressada ao banco para retirar o dinheiro que simbolizava o paradoxismo do capital viver: receber para pagar financiamentos que voltavam aos bancos. Pensou que são todos uns filhos da puta e esse pensamento engendra a exata essência de sua gênese - há coisas que nem o meio-dia destrói. Saiu apática com o dinheiro que não daria pro mês mas, ante ao calor soberano decidiu-se por uma coca-cola na venda do outro lado da rua. Atravessou de uma vez a faixa de pedestres a pensar talvez em como nutrir o feto que trazia há menos de um mês, já que o pai se perdeu por aí depois de uma noite no frevo.

E então veio o ônibus, na categórica travessia da faixa. Escreviam um ângulo reto - o referido meio de transporte público e a faixa destinada à segurança de pedestres - sendo a moça, já que adentramos matemáticos termos, o ponto de origem em tal encontro fatídico. Fora um abraço bruto (como são brutos muitos abraços) esse entre as ferragens e o corpo frágil da grávida inadimplente. E o Sol a queimar o asfalto.

domingo, 9 de maio de 2010

Canção ao nosso domingo

A mídia brasileira só costuma divulgar de Caetano Veloso suas músicas mais populares. Muitos desconhecem a profundidade de sua poesia e como esse artista rompe paradigmas na construção musical. Deixarei aqui a letra e a música que dá nome a um dos meus CDs preferidos dele. Um bom domingo a todos vocês! Espero que gostem...

Livros - Caetano Veloso

Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou – o que é muito pior – por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras

Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas

sexta-feira, 7 de maio de 2010

...

Diga a Maria que lhe sou todo indiferença. Diga também que pouco me importam agora aquelas nossas brincadeiras. Não vejo beleza no azul do céu nem procuro mais folha de alface nos sorrisos pra achar graça depois. Não me aborreço procurando as chaves antes de sair. Acho que procurar é o sentido da vida. Diga a ela que ser poesia é prescrever o amanhecer do dia num brilho intenso de amor. Tranquilize-a, não mais irei me irritar com injustiças e bater forte na mesa em conversas de bar.

Não use jargões sobre a efemeridade do eterno, a verdade é que não a amo mais. Diga a ela que deve ouvir Hamilton de Holanda. Que não se esqueça de descer com o lixo nem de dar comida ao cachorro; Apague aquela besteira que eu disse lá atrás sobre ser poesia. Ah! Não fique de rodeios: avise a Maria que morri. E antes que eu me lembre de algo mais vá-se embora, vá logo, Saudade...

domingo, 2 de maio de 2010

Interpretações

A sós, à luz do quarto, éramos nós
A ânsia de tornarmos um só ser.
Em mim, a consciência do vazio
Em ti, por natureza, preencher

À cama nos deitamos incompletos
Mas plenos de certeza em conhecer
Eu, a te ouvir histórias mil
Na eloquência muda de você

E fomos corajosos nesse rumo:
Te adentrando eu fui me descobrir
Em versos tortos como é viver

E em meio aos devaneios dessa noite
Extasiado em ti, adormeci.
E tu, meu livro, caístes em mim