quarta-feira, 28 de abril de 2010

Boas iniciativas

O Supremo Tribunal Federal tomou uma iniciativa muito interessante inspirada por um ato parecido do Supremo americano. Criou um canal no Youtube no qual são disponibilizadas aulas de direito adminitrativo, constinucional, processual penal - entre outros - e ainda compromete o presidente do STF a responder a perguntas de internautas. Para garantir isenção na escolha das perguntas o responsável por tal é a própria empresa Google, que apenas divulga as perguntas sucitadas e leva ao debate as mais votadas.
É uma prova de que boas idéias podem sim diminuir o abismo que nos separa do ideal e da prática democráticos. Essa iniciativa aproxima a população ao único dos três poderes que não é legitimado por voto direto. Confiram neste link os vídeos disponibilizados pelo canal

terça-feira, 27 de abril de 2010

Fogo Alto

A canção que me toca é o tambor do meu ai
Sou meu sinhô, sou meu sinhô, camara
Os grilhões dessa história ainda hei de quebrar
Sou meu sinhô, sou meu sinhô, camara

Sou Jejê, sou Nagô, já me perdi no mar
Hoje sou Brasil, hoje sou Brasil, camara
O meu corpo na terra, o açoite no ar
Hoje sou Brasil, hoje sou Brasil, camara

Sou filho do deserto onde há terra e há luz
De navio vim e sem céu me vou, camara
Fiz do sangue o meu vinho e do tronco a cruz
De navio vim e sem céu me vou, camara

Derramaram meu sangue em nosso país
Nos quilombos fiz do meu grito canção
E vem Dona Izabel falar de libertação.
Fui jogado na terra sem dinheiro, sem lar
Com meus cinco filhos pra alimentar
Libertação, libertação, camara
Me desculpe senhor não é pra me queixar
Há sempre na vida algo pra se alegrar:
Capoeira, roda de samba ai ai ai

E hoje em dia se volto pra casa cansado
Na noite escura um branco do lado
Foge de mim como se eu fosse infrator
Isso eu não sou,isso eu não sou, camara
E olha que beleza, até depois de Mandela
É de muito negro que se faz a favela
E sem céu me vou: sem céu me vou, camara



O texto acima é uma letra cuja a música pretendo ainda providenciar nesse post. Não é uma obra-prima da composição mas continua sendo um olhar entre tantos outros sobre a situação dos negros no Brasil e por isso achei interessante compartilhar aqui.
Um grande abraço a todos!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Monólogo entre quatro paredes

Quatro paredes. Um cômodo triangular seria, provavelmente, considerado mal estruturado: o que se faria então com os móveis? Tudo agora era silêncio e ele degustava cada gota dessa ausência. O chefe havia ordenado uma dessas tarefas que qualquer outro da repartição poderia realizar, a vida na verdade é uma enorme repartição. Pensou que essa era uma frase digna de um grande pensador, mas pensadores não são funcionários públicos.

Não havia por que reclamar de sua vida, afinal tudo é poesia e, no seu caso, parnasiana de métrica marcante. Refletiu sobre cada colega seu, todos trabalhando, todos pensando na rotina de seus outros colegas e achando que cada um talvez não veja sentido no ser. A cada dia, enviar os mesmos documentos: “Ricardo, Excelentíssimo é com c?” Trabalhar para viver e manter a vida de outros. Da mulher, dos filhos, da mãe adoentada. Tudo se sustenta comprando e, assim sendo, a vida se torna um grande mercado: um mercado dentro de uma repartição. Seremos substituíveis porque todos podem aprender nossas funções e assim poderão comprar, transformando nossos lares em escritórios, nosso sexo em guia de tramitação de processo e nosso amor em produtos de liquidação.

E então vem a revolta. Aquela mesma revolta que ele sente toda terça-feira às quatro horas. Mas hoje será diferente. Levanta e, sem olhar pra trás, vai embora. Espera que alguém lhe grite - Aonde vai? - Embora. Não agüento mais esse trabalho, essa rotina fria e sem graça. E então diriam - Não faça isso! Ninguém carimba uma ficha de recebimento de ofício como você - E aí tudo ficaria bem. Ele voltaria feliz ao seu trabalho: seria único.

Mas a verdade é que ninguém o vê entrar no carro e pegar a avenida no sentido oposto ao de sua casa, enfiar-se com pressa em um beco deserto e mergulhar de vez na imensidão do não existir.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Manhã

O Sol surge manso em sua silenciosa onipotência por trás do firmamento, recortado este pelos prédios do viver. Locomove-se em polvorosa a multidão de crentes: a fé de que raiou o dia. Uns escovam os dentes, outros caminham na busca pelo sagrado pão. O barulho é a oposição máxima entre Terra e Universo: as estrelas traduzem em silêncio seu incendioso existir; mas não as bocas mastigando, o suco que chega ao copo, os estômagos que reclamam mesmo a ausência de suco ou pão, os carros dando partida, o ranger das carroças carregadas por equinos ou humanos. Mais uma manhã aos que crêem no andar.

E o momento de louvor nessa tribo - exo-endogâmica, pluripártida, infinita nas n dimensões do existir - toma perene forma em um ritual ao qual todos param e contemplam a complexidade do estar, as vezes reunidos às centenas ou milhares: mais uma manhã de engarrafamento. Diga a nós o que pensar de tudo isso! Você que vê do alto raiarem as manhãs, que já viu dilúvios, guerras, revoluções, amores eternos, extermínios...

Só seremos plenos quando soubermos o que pensam os passarinhos.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Poema IV

Um raio de luz escapou do Sol
Atravessou o Espaço, seu vácuo, seu breu.
De longe olhou as estrelas,
olhou outros raios de luz.
Rompeu a estratosfera.
Teve medo do fim.
Viu o céu, o oceano
Viu florestas e prédios
Viu seus colegas, outros raios de Sol.
Alguns caíram no mar
Iluminaram golfinhos
Outro teve ainda mais sorte
E virou luz de passarinho

Mas ele caiu em José

José inventou o céu, o Sol,
o amar. Teve ódio.
Inventou o Universo, o futuro, o reverso,
sabia voar:
José era infinito

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Poema III

Queria ser como esses tantos
Que vão andando devagar:
Por não haver outro caminho,
Por não haver como voltar.
Poucos amores, sem paixão
Início e fim do existir
Candenciando o coração
Na marcha exata do sentir

Mas eu sou desse tipo estranho
De versos brancos sem razão
Que rimam apenas por saber
Que há na vida algum sonhar
Tecendo corpos sincopados
Compondo às vezes o sofrer
Penso talvez que existir
É consequência do viver

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Poema II

Torpor.
Ante o mundo, as crianças que correm,
os pássaros que cantam, o amor em olhos
transparentes de tão verdes: verdes como o mar;
aaah...o mar! A mim, serás sempre infinito...
talvez pelo verde, talvez pelo amor,
ou talvez porque o mundo tangencia a paixão
e a ser infinito almeja o coração do poeta.

sábado, 10 de abril de 2010

'O violino e o tambor' ou 'Sobre a estética musical e a mentalidade do colonizado'

Fui ontem com um amigo assistir a uma apresentação genial no CCBB de Brasília. O tema desse recente projeto iniciado pelo Centro Cultural é "Nossa Língua, Nossa Música", que reúne vários representantes da diversidade de ritmos e tessituras musicais compartilhada pelos falantes de língua portuguesa. Dividiam o palco nesse dia Índio Cachoeira, Ricardo Vignini e Marcelo Berzotti, representando a música caipira brasileira e o cantor Cheny Wa Gune - acompanhado de sua banda - trazendo uma mistura de instrumentos musicais moçambicanos com instrumentos 'ocidentais' como baixo elétrico e bateria. Seria inútil tentar descrever os sentimentos despertados pelas referidas apresentações, mas essa experiência fez com que eu me decidisse de vez a criar esse post sobre um assunto que há muito me incomoda e que já deve ter ficado claro pelo título.

O país que mais recebeu escravos africanos no mundo ainda guarda o gosto amargo do preconceito. Incentivados pela crença na magnifiscência do europeu colonizador muitos brasileiros ainda engendram o texto visual de um violino ou de uma flauta transversal como dotados de uma 'essência' - sempre essa mania do metafísico dogmático - mais nobre que um tambor, uma chitatya, ou uma timbila. Curvam-se diante da grandiosidade de uma grande ópera mas riem-se de canções entoadas por tribos africanas. Na ânsia de encaixarem sua filosofia discriminatória nas margens de um argumento lógico muitos apelam à tese ignorante de uma diferença no nível técnico de dificuldade que seria maior, segundo eles, nos referidos instrumentos ou construções harmônicas de origens européias.

Será mesmo que não existe nesse tipo de comentário uma influência do colonizador que, pensando apenas em quando voltaria à sua terra levando riquezas do novo mundo, fechou os olhos ao que lhe era estranho e chamou-o 'incapaz'? E assim, após ver-se coberto de preconceitos, tenta dizer que o outro é sim menor por serem de baixa qualidade seus instrumentos, seus métodos de caça, suas vestes - entre outros costumes dos quais foram tolhidos nossos ancestrais escravizados.

Reconhecer esse preconceito não implica em iniciar uma campanha de valorização de uma música sob o manto abstrato do "nacional" e ergue-la ao altar das coisas intocáveis e sim abrir nossa mente às diversas formas de liguagem e construção do mundo, não só atraves da música como foi abordado por aqui mas da dança, da sabedoria popular, religião e, como dito no primeiro post desse blog, tudo que for fruto do viver.


PS: Acrescento aqui as imagens dos instrumentos moçambicanos aos quais me referi no texto e de alguns grupos africanos como Ladysmith Black Mambazo, Touré Kunda ( do Senegal) e o próprio Cheny Wa Gune. Um grande abraço a todos!


Timbila:

Chitatya:
links:

Ladysmith Black Mambazo


Toure Kunda


Infelizmente não pude achar o vídeo de uma música completa do Cheny Wa Gune mas achei um video com ele tocando timbila em um mercado africano!

Cheny Wa Gune

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Poema I

No início de tudo só havia você:
A plenitude do firmamento,
minha vontade de não ser nada
além do agora

Mais tarde surgiu o eu
e nada era mais encantador
que engendrar no ego
as mais onerosas faces do mundo

Mas agora tudo a cada dia
ganha mais lógica
e grito ao mundo
a minha plena gratidão:
obrigado aos outros
por criarem a mim.