domingo, 24 de abril de 2011

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A pele e a pedra

sábado, 16 de abril de 2011

As categorias

Era uma vez um menino da cidade que via no sabiá marca de passarinho. Pensava também que eram os pelos, penas e cores dos bichos todos rótulos como os de um supermercado. O menino era muito empenhado em analogias, achava que árvore era prédio e lagoa o vaso sanitário dos animais. Cavalo era motocicleta, elefante era ônibus e asfalto era grama.

Certo dia o rapazinho se viu empenhado numa vizinha linda dos olhos verdes. Achou que não havia modo de expressar a plenitude do existir da moça. Travou-se uma guerra, ali no interior dele, com o precisar de palavras. Ele quis que as coisas não fossem comparadas nem apreendidas em língua: o menino queria a pureza do ser-apenas. Não havia uma idéia de pássaro que abarcasse muitos seres distintos, nem um joão-de-barro era igual ao outro. O menino pensava tudo com profunda simplicidade, apenas sentia nitidamente o existir das coisas concretas e abstratas, que por estarem em infinitude passaram a inexistir.

A vizinha entendeu nunca: havia nem essa história.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Guimarães Rosa

"Tem horas em que, de repente, o mundo vira pequenininho, mas noutro de-repente ele já torna a ser demais de grande, outra vez. A gente deve de esperar o terceiro pensamento."

sábado, 9 de abril de 2011

A Paz

Nós
Tranquilamente sentados ante o mais ardente terremoto,
O mais deserto dos desertos, o mais distante horizonte
Nós
Brincando na praça entre a miséria, a fome, o pranto,
O mais escuro calabouço, a mais infame entre as mentiras
Nós
Sorrindo em falso na boate, surdos ao grito do remorso,
cegos na luz da hipocrisia, mudos pra voz do que é desprezo

Nós
E a complexidade da paz

8 de Abril

Ontem foi aniversário desse blog. Eu tinha planejado uma festa daquelas em que se convida todo o mundo, amigos distantes e os amigos dos amigos deles. Mas como ontem nem foi pra mim um dia de tantas comemorações, adiei para hoje minhas agradecidas palavras. Esse site modesto, diria mesmo simplório, hoje tem uma média de 30 visitantes por dia. A vocês, obrigado.

Já recebi aqui visitas de Moscou, Paris, e algumas cidades brasileiras nas quais não conheço ninguém. A esses visitantes que não participam do meu círculo direto de amizades - mas com os quais acabo por compartilhar coisas - mando um abraço transcendente, posto que virtual. Aos meus amigos de sempre - ah, vocês - obrigado pelas palavras esporádicas de apoio que mantêm acesa essa brincadeira, que de alguma forma me faz bem.

Enfim, para simbolizar o dia de ontem, deixarei aqui os links de alguns posts mais acessados ou comentados por amigos. Talvez este seja o primeiro ano de muitos, talvez não...de qualquer forma, obrigado mais uma vez.

Abril de 2010
Poema II, Poema IV, Manhã

Maio de 2010
..., O Abraço, O amor e as retas

Junho de 2010
Quando há luz, Patrocínio do Muriaé

Julho de 2010
A uma conversa na beira do cais, Olhar, Eu, você, nós, Namoro

Agosto de 2010
Contra o unitarismo do ser, Pai, Ser concreto

Setembro de 2010
Sobre o que nos escapa, A uma amiga

Outubro de 2010
(Re)começo, A cientista, Eleições

Novembro de 2010
Caso, José, ...

Dezembro de 2010
Amantes, Seu presente, Sobre o que nos une

Janeiro de 2011
O Adeus, Sobre sereias, O Escritório

Fevereiro de 2011
Sobre o não ser, A viagem

Março de 2011
Impressões, O vazio

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Sobre o inteligível

Era fim de tarde quando alguns anjos vieram me buscar. Disseram, com seus sorrisos cativantes, que eu havia sido escolhido para habitar o reino dos céus, como acontece com tantos seres mortais. Eu achei muita graça e já fui avisando que gostava muito daqui e não acreditava em deus. Eles disseram que o tal criador nunca ligou pra essas coisas de fé e que o pós vida tinha tudo de bom do mundo que a gente conhece, excluindo, é claro, os defeitos.

E o céu era realmente um lugar muito agradável, com gente feliz por todos os lados. Os anjos já me levaram a um bar muito tradicional por lá - datado, dizem, em mais de dois mil anos. O lugar era decorado por uma única mesa bem grande que,, apertando bem, acomodava um pouco mais de 12 pessoas. Respeitando o milenar costume, só serviam pão e vinho aos clientes, se é que estes podem ser assim chamados, uma vez que não há dinheiro nem aquela discussão pra ver quem paga a conta. Os anjos eram muito engraçados e contavam várias piadas com o capeta "vai essa agora: por que o diabo atravessou a rua?", tão divertidas que até agora me arrependo de não tê-las retido na memória. Mas achei essa história de piada com o pobre do Lucifer um baita rancor por ele não dar mais as caras la no céu.

Não foi preciso muito tempo para que eu enjoasse daquele lugar e menos ainda para comunicar isso aos anjos. Eles se fizeram de desentendidos afirmando que não havia mais volta, que deus ia ficar chateado e toda uma conversaiada boba pra dizer no final que o céu era um lugar perfeito e não havia sentido em voltar. Eu confesso que me exaltei um pouco quando disse que sempre preferi cerveja, nunca gostei das coisas limpinhas o tempo todo, nem daquela fala mansa deles e que o perfeito, pra resumir, era no fundo uma  merda. Falei também que minhas amizades aqui na Terra já datavam de dez anos, que isso em tempo de gente é coisa pra caramba e que eu sentia saudade até dos defeitos deles.

Eu gosto muito de anjo, mas gosto muito de gente também. É bom estar de volta.

domingo, 3 de abril de 2011

O ventilador

Poucas coisas são tão capazes de salvar uma vida quanto um ventilador. Nada contra os secadores de cabelo, gavetas de armários ou outros objetos também merecedores de prestígio; simplesmente é nele que penso enquanto escrevo estas linhas. Quando ligado aos misteriosos buracos da tomada, o referido objeto é assolado por energias transcendentes e inicia um movimento de hélices que cortam o ar e geram vento. Inclusive é daí que vem o seu nome: ven-ti-la-dor. A própria palavra é um exemplo de objetividade.

O ventilador não cogita a possibilidade de que eu, em um arroubo de irresponsabilidade, deixe de pagar a conta de luz, causando a sua morte e a de outros eletrodomésticos. Será que a falta de energia significa mesmo sua morte? Pois é, ele não se pergunta isso também. Ele não acha que o vento carrega a dureza do olhar intraduzível, a vontade de você por perto. É preciso, desesperadamente, entender o ventilador...

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Não é preciso mais que uma linha para dizer adeus...