sábado, 24 de julho de 2010

Namoro

Acontece que as vezes meu coração bate tão forte quando te vê que o mundo entra em mim e eu fico como fosse o vazio - o existir inteiro foi se esconder no universo do eu. E aí fico tão bobo, tão alheio de ter licença, que vou sem jeito buscar sua mão. Faço isso pra ver se acho em pele sua o mundo inteiro que há pouco me faltou: faço, então, para ver se existo.

Mas aí me espanto - e há quem diga existir poesia no espanto - com a idéia de me escapar pelos dedos, esses que acompanham singelos os dedos seus, o mundo que conheci em você. E me vem um aperto no ser que corrói inteiro o corpo meu, como ele existisse só a fim de conhecer o medo. Mas tudo isso vem dentro de alegria, paz mesmo, por você estar: por sorrir com os olhos e ter um sorriso verde. E é dessa paz que vem meu abraço, da calma de quem consente em amar o agora.

Meu bem, não permita que lhe espante o que vou contar ao fim. Deixei por último mesmo de propósito, por restar em mim algum saber. Há certas horas que tudo em mim é fogo, e universo, e mundo, e paz, e certeza do agora; e quero lhe expressar o eterno com palavras tão efêmeras quanto nós. Tudo me é falho. Nessas horas, em que a garganta aperta num grito sufocado que só tem por certeza o sufoco futuro, meu corpo é, em ti, mais ser do que eu: e aí quero beijar a boca sua.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Beijos

Meus beijos têm sempre vontade de acabar logo. Não que haja nisso alguma pressa, mas vontade de que acabemo-nos um no outro. Pode ser que nós dois, por descompassos bobos da vida, tenhamos evitado esse beijo do acabar sem fim. Só há na vida descompassos, do contrário seríamos o avesso do existir: prever. E aí que venham choro, paixão, abraços, desamores.

Mas que venham todos em contingência.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Eu, você, nós

Eu só silêncio, você canção - nós dois em contingência - e aí o novo.
Eu partitura, você a clave e a dançar em paradigma seu a  sinfonia.
O nós  Tropicália, você Olodum e eu, talvez, a guitarra baiana.
De repente você silêncio e eu Tropicália: nós, nada.

Agora, eu pedreiro, você a preparar minha marmita e nós dois a virar algo de concreto.

domingo, 11 de julho de 2010

Olhar

Eu quis ver aquela árvore de manhã. Talvez o Sol nascesse lento e o mundo cantasse um sabiá que voaria entre as flores. Voaria sonhos, amores, promessas, pessoas, sorrisos, anseios: posaria de vez na flor rosada da aurora.

Prescreveria o dia, que se vê concreto no amor das árvores - essas sim sabem aproveitar a vida, abraçando o infinito e lançando flores aos céus, enquanto passa o viver apressado de quem não sabe ser paz. Viria o crepúsculo.

E enfim a lua: estendendo ao mundo seu manto de noite na fluidez eterna de quem recusa flores. E a vê-la entrecortada  por galhos, nós dois - sua mão em minha e eu a dizer-te: não fuja meu bem, pois há beleza no canto da noite que sonha em amar.

Ao que passamos

Mais uma vez paramos bem aqui
Nesse silêncio de quem sabe tudo
Que o outro diz nesse discurso mudo
Ou vai dizer naquela frase ingrata
Esse seu jeito de chorar me mata
Não me acuse nem me mande embora
Foi o exato quem nos fez assim
Foi só amor o que sobrou de mim
E é só amor o que lhe trago agora

terça-feira, 6 de julho de 2010

Saudade

Te olhar é estender no infinito
- já que é sempre infinito o querer-
O abraço perpétuo entre nós
pressentindo o amar.

Amar é querer ser eu
apenas para que possamos, juntos,
tornar maior o sentido
de sermos alguém.

Saudade é querer que o agora
seja o olhar eterno de amor.

sábado, 3 de julho de 2010

A uma conversa na beira do cais

Eu gosto é de olhar o mundo por cima: e por baixo, de frente, dos lados. Sentir a consistência, morder, cuspir e botar na boca de novo. E não falo só desse mundo concreto, areia, sal, pedra, sol, universo: falo do infinito inteiro que a gente carrega em matutar. E é com isso que eu brinco mesmo, de sorrir, chorar, de ter agonia, de faltar palavra e responder com reticência...

De primeira, pensei que eu devia ser doido. Tanta coisa ruim nessa vida e eu ia só ficar olhando? E aí encarei bem essa história de ser ruim: olhei por cima, de lado, cuspi e peguei de volta. Achei que esse negócio é tudo inventado. Como: é inventada. regra de português - Como sou inventado inteiro e por consequência o que em mim é bom, o que em mim é tosco, o que em ti sou nós. Eu devo ser mesmo menino bobo: pra mim o mundo é massinha de modelar. E quando eu enjôo transformo o que é passado no vir a ser saudade de ontem e sempre misturando as cores que é pra ver se aparece uma nova que a professora não ensinou.

Eu já enjoei de gente passando fome, de quem não ouviu violão, de quem nunca sentiu saudade, de quem só soube foi viver dela e tudo isso ainda estou remodelando: bicho homem nasceu mesmo é pra ser deus.