domingo, 8 de agosto de 2010

Pai

Vejo você com aquele boné velho, sujo de tinta e argamassa. A bermuda rasgada, o rosto cansado mas sorridente ao me ver revirar os entulhos de nossas diversas casas sempre em construção. Algumas vezes trabalhava o dia inteiro, à noite dava aulas e quando voltava a um de nossos lares - sempre tantos e em eternas construções - ia lá pintar parede, erguer pilastra, assentar piso. Agora vejo a mim, esperando você sair para ir correndo pegar suas ferramentas e brincar de enfiar pregos nas madeiras: me fascinava o barulho do martelo, que tantas vezes embalava meu sono e era pra mim a canção sua. Nunca foi pedreiro no sentido técnico capitalista, mas a vida nos diz que sim: erguia paredes de sonhos.

Lembro do modo que falava das bibliotecas e alimentava em mim a imagem de um mundo repleto de vidas diversas, estantes reluzentes, prazeres infindos. Era exatamente assim. Todos os dias você me ouvia pacientemente contar as histórias dos livros que eu trazia e sempre me perguntando "onde foi que paramos ontem?". Íamos a caminho do colégio enquanto você nos fazia perguntas sobre música, ou política e eu sonhava com o dia em que teria um pouco de tanto conhecimento, afinal, nunca alcançaria tudo. E quantas vezes vi você empurrando seus carros nesse mesmo trajeto, por serem velhos e terem como destino o fim ou simplesmente por faltar gasolina. A gente achava graça, ou reclamava de fome.

O certo na vida é que se trilhe caminhos tortos. E foi um desses caminhos - que tanto transformam o ser - que te afastou por um tempo de nós. Nossos encontros ficavam restritos a almoços esparsos e o vazio de casa só a dor preenchia. Amar é superar conflitos. E amamos. No hoje, você me pede opinião sobre as eleições, as revistas, as notícias nos jornais e sei que muitas vezes as acata. Por mais que eu corra a abraçar o mundo com minha ansiedade de criança não deixarei nunca de ser parte de ti, aquele que transcendeu o ser e tornou-se formador: eu, ser humano, você, o pai.

4 comentários:

  1. Obrigado filhão por reviver em mim esse tempo maravilhoso de nossas aventuras. Fico feliz em saber que algumas das melhores sementes que plantei em voces, floresceram de forma tão bela. Hoje orgulhoso me alimento dos frutos que nascem nas músicas, nos shows, nas informações, nos livros. Te amo filhão. Obrigado!

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  2. cara, belíssimo texto! sério
    parabéns e feliz dia dos pais :]
    thiago

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  3. Curto teus textos porque eles são muito pessoais e passam uma naturalidade... é quase como se eu tivesse lá pregando o prego também. Quase :P

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