segunda-feira, 4 de abril de 2011

Sobre o inteligível

Era fim de tarde quando alguns anjos vieram me buscar. Disseram, com seus sorrisos cativantes, que eu havia sido escolhido para habitar o reino dos céus, como acontece com tantos seres mortais. Eu achei muita graça e já fui avisando que gostava muito daqui e não acreditava em deus. Eles disseram que o tal criador nunca ligou pra essas coisas de fé e que o pós vida tinha tudo de bom do mundo que a gente conhece, excluindo, é claro, os defeitos.

E o céu era realmente um lugar muito agradável, com gente feliz por todos os lados. Os anjos já me levaram a um bar muito tradicional por lá - datado, dizem, em mais de dois mil anos. O lugar era decorado por uma única mesa bem grande que,, apertando bem, acomodava um pouco mais de 12 pessoas. Respeitando o milenar costume, só serviam pão e vinho aos clientes, se é que estes podem ser assim chamados, uma vez que não há dinheiro nem aquela discussão pra ver quem paga a conta. Os anjos eram muito engraçados e contavam várias piadas com o capeta "vai essa agora: por que o diabo atravessou a rua?", tão divertidas que até agora me arrependo de não tê-las retido na memória. Mas achei essa história de piada com o pobre do Lucifer um baita rancor por ele não dar mais as caras la no céu.

Não foi preciso muito tempo para que eu enjoasse daquele lugar e menos ainda para comunicar isso aos anjos. Eles se fizeram de desentendidos afirmando que não havia mais volta, que deus ia ficar chateado e toda uma conversaiada boba pra dizer no final que o céu era um lugar perfeito e não havia sentido em voltar. Eu confesso que me exaltei um pouco quando disse que sempre preferi cerveja, nunca gostei das coisas limpinhas o tempo todo, nem daquela fala mansa deles e que o perfeito, pra resumir, era no fundo uma  merda. Falei também que minhas amizades aqui na Terra já datavam de dez anos, que isso em tempo de gente é coisa pra caramba e que eu sentia saudade até dos defeitos deles.

Eu gosto muito de anjo, mas gosto muito de gente também. É bom estar de volta.

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