terça-feira, 16 de agosto de 2011

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Desde criança ele a via no céu e sonhava com o dia de abraçá-la nas nuvens. Aos dez anos disse que seria aviador e construiu seu primeiro aeromodelo. Na juventude concentrou-se nas leis da física e buscou construir um objeto que permanecesse eternamente no ar. Teve vários amigos, algumas namoradas, sempre respeitou sua família, mas a verdade é que o mundo é tão interessante à distância quanto é insuportável por dentro. Viver era encantadoramente tedioso e seu desejo era tão somente livrar-se da rotina, experimentar do mundo apenas o que dele era paixão. Deixar-se ficar era um tremendo despropósito.

Anos se passaram e às invenções fracassadas se juntaram as rugas. Certo dia, já com seus duzentos anos, o velho teve um arroubo de maturidade e percebeu que a física pouco importava em questões transcendentes: arrancou as asas de um ornitorrinco mágico e voou ao encontro de seu amor eterno. Um pouco à direita do arco-íris e já bem perto de Deus lá estava ela, aquela que por tantas noites lhe tirara o sono, linda, de um sorriso exuberante: a Liberdade. O velho, com os olhos úmidos, tentou retê-la em seus braços, mas era impossível. A liberdade continuava impassível, absorta em silêncio celeste e qualquer tentativa de tocá-la transpassava seu espectro incandescente.

O velho não se arrependeu nem quis voltar ao seu mundo pequeno, mas pensou que talvez fossem apaixonantes e despropositadas as coisas todas.

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